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CURSO NACIONAL DE FÉ E POLÍTICA DOM HELDER CÂMARA – Ivo Poletto

CURSO NACIONAL DE FÉ E POLÍTICA DOM HELDER CÂMARA

Ivo Poletto*

TEMÁTICA:

Caminhada das conquistas da cidadania e dos direitos humanos no Brasil, nos últimos 50 anos, a luta dos movimentos populares; a contribuição da Igreja neste processo.

ROTEIRO PARA DEBATE

  1. Os últimos cinqüenta anos iniciam em 1957, em plena década do desenvolvimentismo, animado pelos investimentos estatais nos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubischek. É a década da criação da CNBB e de atuação da Ação Católica Especializada, ao lado da Cáritas, também criada em 1956. Da sociedade vêm pressões por reformas mais profundas, “de base”. No início do anos 60, depois da renúncia de Jânio Quadros, o presidente João Goulart tenta implementar as reformas exigidas para que o desenvolvimento se aprofundasse e tivesse dimensão social. Cresce a oposição conservadora, utilizando o anticomunismo como motivação mobilizadora, inclusive do Exército. O resultado é o Golpe Militar de 1964.
  2. Consolida-se a Ditadura. Em 68/69, há um golpe dentro do golpe, presente no AI5, que anuncia a vitória dos setores militares e civis que desejavam a permanência da ditadura por mais tempo. Os grupos organizados e militantes de esquerda são duramente reprimidos pelo regime. Os militantes da Ação Católica, igualmente, são reprimidos pela ditadura; além disso, são desautorizados pela hierarquia da Igreja. Vivem uma crise profunda, e dela sugiram alternativas de ação. Qual o caráter da crise? Quais as alternativas?
  3. Pelo lado das esquerdas ligadas ao projeto socialista, a alternativa dominante foi a formação de focos guerrilheiros, com militância clandestina, numa estratégia de luta armada para derrubar a ditadura, assumir o poder de Estado e implantar, a partir dali, o projeto socialista. Inspirados em diferentes experiências, os militantes terminaram se dividindo e subdividindo, cada partido julgando-se portador do melhor e único projeto para o país. Isso facilitou relativamente a repressão, e os que não foram exilados, ou foram executados ou sofreram duramente nas prisões. Duas características essenciais: a ação de vanguarda e a conquista do poder, centrado no Estado.
  4. Pelo lado dos militantes cristãos, a autocrítica levou a dois caminhos: ou a entrada em algum dos grupos de luta armada, ou a inserção nos trabalhos de base, de modo especial na perspectiva das CEBs, para corrigir o equívoco experimentado na ação de grupos de militantes. Em lugar do mandato da hierarquia, o que se buscava era a missão de todo batizado/a de agir, pessoal e comunitariamente, em favor de ações sociais e políticas que transformem a sociedade injusta em que se vive.
  5. Qual a relação entre as CEBs e os movimentos sociais populares que nascem nos anos 70 e 80?- As CEBs se tornam, progressivamente, em parteiras de iniciativas e movimentos sociais populares…

    – Mas é importante dar-se conta de que a visão de muitos assessores e animadores de CEBs ainda era marcada pela visão geral das esquerdas: objetivava-se alcançar o poder, que está no Estado, para transformar a sociedade. Para isso, surgiu a teoria da “escadinha”: no primeiro degrau estão os trabalhos de base, as CEBs, os movimentos sociais, as associações; o segundo degrau, superior e necessário, é representado pela organização sindical, que depende e leva à consciência de classe social; o terceiro degrau é constituído pelo partido político, a quem cabe dirigir a luta para alcançar o poder e implementar o projeto político de transformação social na perspectiva do socialismo.

  6. Por que surgiram as primeiras pastorais sociais? Qual sua relação com os movimentos sociais populares?- duas gerações de pastorais sociais: as que nasceram para responder a necessidades de articulação, apoio mútuo e dinamização dos trabalhos pastorais populares, e as que, em seguida, nascerão das Campanhas da Fraternidade, com o objetivo de dar continuidade às ações ligadas à suas sucessivas temáticas sociais.

    – destaca-se o surgimento da CPT, a primogênita da primeira geração…

    – estas pastorais já nasceram com a opção de não serem nem movimento, nem vanguarda das lutas; sua missão é serem serviço pastoral, tendo como meta o nascimento de movimentos e formas organizativas autônomas dos próprios diferentes tipos de trabalhadores – do campo, no caso da CPT; nas cidades, no caso da P. Operária; no campo e nas cidades, no caso da Pastoral dos Migrantes… É por isso que elas serão fermento nos processos de oposição sindical, criação de sindicatos autônomos, na articulação da ANAMPOS, na criação da CUT, na organização do PT…, sempre lutando em favor da presença dos próprios trabalhadores organizados… Um exemplo significativo foi o processo de criação e consolidação do MST, um com que filho da CPT…

    – mesmo com experiências diversificadas, essa visão é dominante no conjunto das pastorais sociais…

  7. No final dos anos 70 a insatisfação e a pressão da sociedade, aliadas às crises no projeto ditatorial, fortemente marcadas pelas crises econômicas internacionais, levam a ditadura a buscar formas de abertura, sempre com o objetivo de controlar o processo. Depois de conquistar a lei de Anistia, o próprio regime propõe e o Congresso aprova uma lei estabelecendo regras para a organização de cinco partidos políticos. Neste espaço, surgiu, entre outros, o PT.- tema em debate, para aprofundamento: o processo de criação do PT fica restrito aos objetivos da ditadura, sendo um dos condutos institucional das insatisfações sociopolíticas dos setores ideológicos da esquerda, ou caracteriza-se como uma conquista dos setores populares?
  8. Qual a relação dos movimentos sociais e a mobilização diretas já? Em todas as manifestações, presença das reivindicações e propostas do diferentes movimentos, bem como do novo sindicalismo e do PT… Significativa presença de setores da Igreja, especialmente as CEBs e Pastorais Sociais. Com início ligado ao PT e às forças que nele se articularam, a mobilização foi, aos poucos, sendo liderada por dirigente de outros partidos, e surgiram sinais de possível negociação com os militares… Tanto que, no Congresso, a proposta é derrotada, vencendo a eleição indireta…
  9. Movimentos sociais, Igreja, entidades, CUT, PT e ONGs defenderam proposta de Constituinte exclusiva, mas foram novamente derrotados no Congresso… Por isso, como fruto do debate, apresentação de propostas populares à Constituinte e pressões em favor do reconhecimento de direitos e da participação e controle social… Resultado: avanços no reconhecimento de direitos em diversas áreas, derrota em outras, como na questão da Terra/Reforma Agrária; manutenção da tradição protelatória em relação a muitas das decisões, que ficaram dependendo de leis, regulamentações…
  10. A partir da nova Constituição, movimentos lutam por controle sobre políticas públicas, através dos Conselhos Paritários, e há avanços nos Orçamentos Participativos… Além disso, avanços também através de Leis de Iniciativa Popular, como a que combate a corrupção eleitoral… Em confronto com os governos de orientação neoliberal, firmam-se movimentos autônomos, e de âmbito nacional, como o MST, e surgem articulações em torno de campanhas, como é o caso da Campanha Jubileu, o Campanha Contra a Alca, contra a militarização, contra a OMC, que promovem, entre outras iniciativas, dois Plebiscitos nacionais autônomos.
  11. Quais as relações entre o avanço, a consolidação e o declínio (derrota) do neoliberalismo e os movimentos sociais populares e as Semanas Sociais Brasileiras? Sabe-se que, junto com a privatização de empresas públicas e de serviços essenciais, com a diminuição do Estado em relação ao controle sobre os capitais transanacionalizados, com maior uso de novas tecnologias…, o desemprego tornou-se estrutural… Isso desestruturou o que restava do sindicalismo, enfraquecendo-o e tornando-o ainda mais corporativo… Com isso, surgem novas formas de articulação e de iniciativa, destacando-se a experiência das Semanas Sociais, de que nascem o Grito dos Excluídos, novas temáticas para a Campanha da Fraternidade, novas frentes de luta, como a do Cancelamento da Dívida Externa, do não à Alca…
  12. No século 21, vive-se a experiência contraditória da eleição e da reeleição de Lula para a Presidência da República. Para as expectativas imensas e represadas, praticamente nada de respostas estruturais: opta-se pela continuidade da política econômica, com prioridade intocável à divida externa e interna, comprometendo seriamente os recursos do Orçamento; mesmo com claros limites de recursos, há, contudo, efetivos avanços no social, de modo especial em relação aos mais empobrecidos… Da confiança e da expectativa – de certo modo, passivas – em relação aos compromissos do novo governo com políticas inovadoras e transformadoras, movimentos, pastorais e organizações populares percebem ser necessário retomar a iniciativa, na perspectiva da democracia participativa… A Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil, passa a ser uma mediação voltada para uma nova prática política – em rede, respeitando as diferenças e identidades… – da sociedade civil que deseja que o poder popular seja o sujeito da democratização da sociedade e do Estado… Lembrando Gramsci: a melhor forma de democratizar o Estado é a sociedade civil organizada cercar o Estado por todos os lados…
  13. Olhando para o que está acontecendo na Bolívia, no Equador, na Venezuela… percebe-se que há possibilidades novas para o avanço da prática política assentada no poder popular democrático. Na Bolívia, a Presidência da República e a Presidência da Assembléia Constituinte exclusiva estão sendo exercidas por um homem e uma mulher indígenas… Além de, para governar obedecendo, Evo Morales ir implementando medidas já aprovadas em plebiscito, como a nacionalização do gás e petróleo e a revisão de contratos com multinacionais, a Constituinte pode, pela primeira vez no continente e talvez no Ocidente, elaborar uma Constituição que leve em conta ou assentada nas práticas política milenares dos povos bolivianos… Igual percurso poderão fazer os povos do Equador, e aqui liderados por um novo Presidente, Rafael Correa, que está comprometido com a anulação das dívidas externas, já se dispondo a lutar por um Tribunal Internacional da Dívida… E estes povos podem ir avançando com o apoio político, e também financeiro, do Brasil e da Venezuela, de modo especial da Venezuela, que já conta com os recursos do petróleo…
  14. Assim como os povos vizinhos necessitam e contam com o apoio da política externa brasileira, pode estar começando a etapa em que seus novos passos dados por eles poderão provocar mudanças de direção das políticas do governo brasileiro… E isso pode somar-se à opção dos movimentos sociais populares daqui, uma vez que sua decisão não é de ficar esperando, mas ir para a luta direta em favor das políticas necessárias para que aconteçam as transformações estruturais que tornarão possível a garantia de todos os direitos para todas as pessoas – como já exigia Bartolomeu de las Casas no século XVI…

 

Bibliografia de consulta

Boaventura de Sousa Santos. A crítica da razão indolente – Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001.

Instituto Nacional de Pastoral (org.). Presença pública da Igreja no Brasil – Jubileu de ouro da CNBB (1952-2002). São Paulo: Paulinas, 2003.

René A. Dreifuss. 1964: a conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis (RJ): Vozes, 1981, 2ª ed. revista. Foi reeditado recentemente.

Eder Sader. Quando novos personagens entram m cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Arquidiocese de São Paulo. Brasil: tortura nunca mais. Pref. De D. Paulo Evaristo Arns. Petrópolis (RJ): Vozes, 1985.

Marcos Arruda. Tornar real o possível – A formação do ser humano integral:economia solidária, desenvolvimento e o futuro do trabalho. Petrópolis (RJ): Vozes, 2006.

Cláudio Perani. “Movimentos Sociais”, in Cadernos do Ceas, 212, jul/agosto 2004. Salvador: Centro de Estudos e Ação Social, p. 17-27.

Chico Whitaker. O desafio do Fórum Social Mundial – Um modo de ser. São Paulo: Loyola, 2005.

Ivo Poletto. “A CPT, a Igreja e os Camponeses”, in CPT: Conquistar a Terra, Reconstruir a Vida – Dez anos de caminhada. Petrópolis (RJ): Vozes, 1985, p. 29-66.

– “A terra e a vida em tempos neoliberais”, in CPT: A luta pela terra – A comissão pastoral da terra 20 anos depois. São Paulo: Paulus, 1997, p. 21-69.

Ivo Poletto e Antônio Canuto. Nas pegadas do povo da terra – 25 anos da Comissão Pastoral da Terra. São Paulo: Loyola, 2002.

Ivo Poletto (org.). Uma vida a serviço da humanidade. Diálogos com Dom Tomás Balduíno. São Paulo: Loyola/Rede, 2002. É uma longa e gostosa entrevista, intercalada com depoimentos, retomando o processo vivido em seus 80 anos.

Setor Pastoral Social – CNBB.  As pastorais sociais na virada do milênio. São Paulo: Loyola, 1999. Neste livro, junto com uma introdução excelente de Dom Demétrio Valentini que justifica o título, estão publicados textos de análise de conjuntura brasileira, publicadas anualmente, cobrindo o período 1992-1999, elaborados por uma equipe de assessoria de que Ivo Poletto era membro.

* Filósofo e sociólogo, assessor da Cáritas, de Pastorais e Movimentos Sociais Populares. O presente texto reúne notas para debate com os cursistas.