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Desafios aos Direitos Humanos no mundo contemporâneo. Manfredo Araújo de Oliveira UFC

Desafios aos Direitos Humanos no mundo contemporâneo.

Manfredo Araújo de Oliveira UFC.

 

A questão dos direitos humanos é hoje marcada por uma tensão fundamental: por um lado, há os que afirmam que eles designam a forma fundamental da consciência moral social das nações[1] que atingiram e conquistaram o Estado de Direito[2] de tal modo que sua efetivação em nível global constitui o grande desafio ético-político do século XXI[3]; por outro lado, são inúmeros as resistências de forças econômicas e políticas e os questionamentos que provêm tanto de uma situação histórica nova, sobretudo, dos riscos do mundo de hoje _ a erosão dos fundamentos conceituais do Estado moderno, o fundamentalismo político, o perigo de uma guerra nuclear, a nova configuração das relações internacionais e o abismo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, a planetarização da civilização técnico-científica e a crise ecológica, a crise das lideranças políticas _ quanto do ambiente filosófico contemporâneo que nos interpelam a repensar o significado da ética e do direito e suas tarefas na vida humana e neste horizonte o sentido e a política dos direitos humanos.

  1. Habermas[4] exprime sua compreensão da situação histórica nova com a idéia de que está em formação uma “sociedade mundial”, porque os sistemas de comunicação e mercado produziram uma conexão global, mas, acrescenta logo que se tem de falar de uma sociedade mundial “estratificada”, porque o mecanismo do mercado mundial vinculou uma produtividade progressiva a uma miséria que aumenta, numa palavra ligou processos de desenvolvimento e processos de subdesenvolvimento. A globalização cindiu o mundo e ao mesmo tempo o obriga, enquanto comunidade de risco, a uma ação cooperativa.Que tipo de sociedade nova é esta que constitui o desafio fundamental de uma reflexão ético-política em nossos dias? É possível definir uma ética para esta sociedade-mundo e uma teoria de direitos iguais e universais?

1)A Globalização como Fenômeno histórico-social.

A globalização[5] é a ordenação recente do tipo de sociedade gerado na modernidade, ou seja, daquele tipo em que, segundo Habermas[6], as ações dos agentes sociais são prioritariamente coordenadas pelos mecanismos do dinheiro e do poder assim que economia e administração tomam o lugar da religião enquanto princípio de organização da vida social. Para compreender a globalização é necessário considerar as dimensões centrais da nova fase do capitalismo, sua forma de atuação, suas instituições e as novas maneiras de pensar e de participar da vida quotidiana que se adequam ao modo de estruturação do capitalismo na hora presente.

Enquanto a nova forma de acumulação e regulação do capital, a globalização[7] é o produto da interação de dois movimentos básicos: a)No plano doméstico, da liberalização econômica expansiva dos mecanismos de intervenção estatal que caracterizaram as sociedades regidas pelo capital, sobretudo, depois da segunda guerra mundial; b)No plano internacional, da mobilidade crescente de capitais que circulam no mundo favorecendo fusões e compras de grandes empresas. Trata-se de um “liberalismo transnacional”, que abriu o mercado mundial, aprofundou os processos de interconexão econômica. Nesta dinâmica, o capital criou para si um espaço de ação para além do espaço dos estados nacionais, porém de forma alguma se pode falar aqui de igualdade de oportunidades na competitividade em nível internacional. Ao contrário, os pressupostos da competitividade são muito diversos nos diferentes países[8].

A globalização é o resultado de opções políticas específicas marcadas por inúmeros pressupostos radicados numa determinada teoria econômica, o neoliberalismo[9], que toma a hegemonia sistêmica que caracteriza a dinâmica das sociedades capitalistas como o elemento central de sua leitura da realidade econômica atual. Sua afirmação básica é que o mercado constitui o mecanismo único e exclusivo para a coordenação de uma economia composta de tantos agentes e dimensões como a economia moderna e isto ele o consegue precisamente enquanto um mecanismo inconsciente capaz de realizar com eficiência o que o ser humano não pode realizar por meio de sua ação consciente.  A felicidade e a realização humanas estão condicionadas à sua humilde submissão a este mecanismo inconsciente por meio de sua inserção nas instituições mercantis, um processo que avançou muito rapidamente com a nova revolução tecnológica que transformou a ciência e a técnica na base do novo paradigma de produção industrial.

O resultado deste processo é a “acumulação flexível” em que ocorre, por um lado, um aumento muito grande da produtividade do trabalho e, por outro lado, uma competitividade exacerbada a nível internacional. O eixo deste novo processo produtivo é a “tecnologia da informação” e suas duas maiores conseqüências são a reorganização do processo produtivo e os enormes impactos no sistema de emprego: tendo-se tornado a produtividade do trabalho a força motriz deste desenvolvimento, o desemprego se transformou em fenômeno estrutural. Além disto cresceu a destruição sistemática do planeta e os perigos ambientais, frutos de um capitalismo predador, se tornam cada vez mais manifestos. O efeito mais visível destas mudanças é o processo de financeirização do capitalismo: não só há uma aceleração dos movimentos do capital através da unificação eletrônica dos mercados financeiros, mas, sobretudo, a tendência da autonomização dos circuitos financeiros da economia real. O Estado se faz, então, refém do capital financeiro.

Um traço essencial deste novo modelo de configuração do capitalismo é a substituição da política pelo mercado na direção dos processos sociais o que tem como conseqüência que uma economia globalizada não se submeta à intervenção do Estado regulador e subjugue ao mercado todos os elementos da produção num processo acelerado de internacionalização de todos os mercados acompanhado pela tese da capacidade de competição como elemento decisivo para o sucesso no mundo econômico. O efeito imediato é a incompatibilidade radical entre metas econômicas e fins sociais e políticos. Este processo se revelou um processo de concentração crescente do saber, do ter e do poder ameaçando a autonomia, a liberdade e a soberania das pessoas e dos povos o que tem como resultado que a economia mundial continua crescendo com custos ecológicos e humanos muito altos.

  1. Fauss designou este processo como “estado confessional do mercado[10]”, cuja tese básica é: defender os mais fracos ou defender simplesmente os seres humanos é intervir sem razão em mecanismos naturais que funcionam por si mesmos e que têm sua lógica própria desestabilizada à medida que neles interfere o ser humano. Daí o antagonismo entre a lógica do processo de globalização e os direitos humanos precisamente numa sociedade que fala dos direitos humanos como nunca antes. Neste contexto, direitos humanos significam em primeiro lugar os direitos dos indivíduos enquanto proprietários no mercado que são assim antes de tudo direitos a ter mercados[11]o que sem dúvida significa um enorme reducionismo em relação ao conceito de direitos humanos e em última instância sua anulação no sentido em que a tradição da filosofia ocidental os pensou[12]. Parece que hoje todos se preocupam com os direitos humanos e proclamam agir em seu nome o que termina levando a um caos de sentido. O mais grave é que nesta sociedade há de fato um desrespeito escandaloso aos direitos humanos, flexibilização da força de trabalho, guerras civis, corrupção e desgoverno, fome, pobreza, subdesenvolvimento econômico, cultural e político, grandes movimentos migratórios em parte de fugitivos[13].
  2. Habermas[14] defende a tese de que este processo significa a destruição do Estado Social enquanto esforço de enfrentamento da dialética entre igualdade jurídica (democracia política) e desigualdade fática. Seu objetivo básico era agir com o escopo de assegurar condições decentes de vida, que tornassem possível a todos a efetivação dos direitos do cidadão em chances igualitárias. O caráter intervencionista Estado com fins sociais (democracia social[15]), portanto, se justificava no conceito de direitos do ser humano. Eliminada a intervenção do Estado nos mecanismos que controlam a produção e a repartição da riqueza qualquer discurso sobre os direitos humanos corre o risco de permanecer inteiramente ineficaz, o que manifesta que sua efetivação não pode ser confiada ao jogo livre do mercado.

Nas décadas de 80 e 90, a América Latina passou pela experiência drástica de ajustamento à nova ordem do capital através da introdução de políticas de eliminação dos empecilhos ao mercado e à competitividade[16]. Mesmo assim não conseguiu eliminar dos movimentos da sociedade civil o projeto político democrático radicado nos valores da igualdade e da justiça que tem como objetivo gestar uma sociabilidade regida por direitos[17]. Nas últimas décadas do séc. XX e início do séc. XXI há em nossos países a confluência contraditória dos processos de democratização e dos processos de ajuste[18]. O cenário da América Latina mostra classes trabalhadoras fragmentadas, pulverizadas, desempregadas[19]. Milhões vivem abaixo dos limites oficiais de pobreza preocupados com a pura subsistência e impossibilitados de ter acesso ao ideal de consumo decantado pelos meios de comunicação social. O cenário humano é um cenário de sofrimento, de incerteza, insegurança, perda crescente do sentido da existência humana. A muitos jovens e adultos foi tirada a esperança de um futuro melhor, pois não há perspectivas de um crescimento econômico suficientemente intenso que possa absorvê-los no mercado de trabalho em níveis salariais adequados a uma vida decente.

No nível internacional, explodem conflitos culturais entre o ocidente secularizado e o mundo islâmico teocrático, reações etnocêntricas de populações nacionais contra o estrangeiro, contra os que têm outras crenças, outra cor, contra deficientes e grupos marginais precisamente num momento em que as migrações crescentes provocam a convivência de populações étnica, religiosa e culturalmente diferentes. As sociedades se tornam multiculturais o que levanta o desafio da criação de estruturas de convivência política que possibilitem a coexistência igualitária de formas de vida diferenciadas étnica, lingüística e religiosamente.  Neste contexto emerge um novo individualismo na medida em que as massas assimilaram valores próprios da sociedade capitalista como a competição e a realização pessoal re-configurando sua visão de mundo.

Há uma difusão mundial dos produtos da cultura de massa proveniente, sobretudo, dos USA. Surgem igualmente processos que destroem a solidariedade[20], pois esta cultura põe o valor do dinheiro acima de todos os valores e introduz nas relações humanas os critérios, valores e métodos que são próprios do mercado. Vivemos o tempo do triunfo da mercadoria absoluta[21], o consumismo se faz modelo de vida e as relações humanas se degradam em meras relações de troca de objetos consumíveis de tal modo que a única identidade que sobra para o ser humano é a de ser consumidor, um ser unicamente voltado para seus interesses privados e indiferente ao bem público. Mortas as metafísicas e as religiões, o valor de troca passa a ser a única categoria universal em nossa interpretação do mundo. Os bens e a riqueza valem mais que os seres humanos que se tornam reféns de um sistema que só sobrevive estimulando ao infinito seus desejos. Este sistema econômico é indiferente ao “resto” dos que ele não consegue minimamente integrar, os bilhões de seres humanos que passam fome e sede e que constituem para este sistema resíduos inevitáveis e perigosos[22]. A tendência societária de fundo é diminuir os espaços da ação consciente dos sujeitos, uma vez que os mecanismos inconscientes, uma entidade anônima, e o processo tendem a dissolver o sujeito enquanto sujeito o que conduz a uma profunda crise a idéia dos direitos humanos que na modernidade esteve intimamente vinculada à concepção do sujeito autônomo.

Mas há também uma série de fenômenos que manifestam o lado positivo da globalização: não existe só a comunidade da violência, mas também a “comunidade da cooperação” em diferentes níveis da vida humana com efeitos muitas vezes democratizantes de modo que se possa falar pelo menos de uma situação de tensão entre uma dimensão regressiva e conservadora e uma dimensão progressiva e emancipatória da globalização[23]. Assim, por exemplo, a pressão da globalização leva a um questionamento de regimes autocráticos e o desrespeito aos direitos humanos provoca reações fortes a nível mundial. A partir desta base se está formando uma opinião pública mundial, uma sociedade mundial (Habermas) que tem abertura para o mundo e que é fortalecida pela ampliação do direito internacional e do direito dos povos, o que já levou à criação de tribunais internacionais em algumas áreas. É neste contexto que se fala hoje de “uma cidadania plural e universal apta a lutar por interesses comuns a todo o gênero humano[24]”. A globalização pode assim representar um enorme potencial de integração da humanidade, o reconhecimento da variedade das culturas e dos valores, a possibilidade de uma maior unidade e paz entre os povos. A chance é de um processo de humanização e unificação espirituais crescente da humanidade como dizia Theilhard de Chardin: hoje aumenta nossa consciência de pertença à humanidade comum e de nossa responsabilidade na preservação de nosso planeta único.

2) Objeções e críticas  aos Direitos Humanos na filosofia contemporânea.

 

  1. Dworkin[25] nos faz uma advertência fundamental: só podemos hoje levar os direitos humanos a sério se formos capazes de pensá-los a partir das objeções e das críticas das diversas correntes filosóficas de nosso tempo. No entanto, nosso contexto histórico se revela paradoxal: precisamente no momento em que o desafio de fundamentar uma ética e um direito universalistas se torna urgente, irrompem as diferenças e se propaga a idéia da inexistência de validade objetiva. Isto caracteriza a posição cética[26] que neste contexto assevera não haver normas universais que possam reger as relações dos seres humanos. Ora, para Apel, a globalização de todos os problemas, que se mostra, por exemplo, nas discussões, em fóruns internacionais, a respeito dos direitos humanos, de uma ordem econômica mundial socialmente justa, de uma política ecológica adequada, da situação dramática de populações nativas da América e da África negra, dos processos de marginalização e exclusão e das condições de vida dos milhões de pobres e famintos do mundo, da explosão populacional da humanidade, das relações norte-sul, da dívida externa dos países em desenvolvimento, da fortíssima concentração por parte dos mais ricos do mundo dos recursos da terra (energia, água, território, etc), manifesta a premência da fundamentação de um princípio normativo, de uma norma fundamental de justiça universalmente válida.Há alguns tipos fundamentais de objeções a esta posição que aparecem com diferentes formulações em diferentes pensadores que mencionamos como ponto de partida da reflexão. Antes de enumerá-las, é importante lembrar uma objeção básica bastante difundida hoje: defende-se uma “democracia sem fundamentos” por ela defender melhor os direitos humanos que qualquer outra, pois se diz ser verdade histórica que “todas as fundamentações absolutas, todos os valores irrenunciáveis e todos os pretensos esplendores levam a inevitáveis totalitarismos”[27].

a)Uma objeção que põe em questão a racionalidade da dimensão normativa tanto ética como jurídica foi articulada no século passado pelo positivismo lógico e depois retomada pelas diferentes formas de decisionismo[28] tem como tese básica que as questões relativas à razão prática não são suscetíveis de verdade, ou seja, às sentenças normativas, éticas ou jurídicas, não cabe a alternativa verdadeiro/ falso. Normas se legitimam por decisões que podem ser vinculadas numa série de tal forma que tudo desemboca numa decisão última sem que ela mesma possa ter legitimidade por algo além da própria decisão. O máximo que se pode fazer aqui é provar[29] a consistência lógica do sistema de referências condicionantes das decisões e a capacidade de realização empírica dos fins estabelecidos de acordo com os critérios de valor que foram assumidos pelas decisões tomadas. Certamente é possível formular sentenças descritivas sobre normas assim, por exemplo, quando falo sobre os direitos humanos presentes na constituição brasileira: trata-se aqui simplesmente de sentenças não-normativas sobre normas e valores enquanto uma investigação empírica sobre sistemas dados de normas o que exige a distinção clara entre sentenças sobre normas, por exemplo, sobre sua vigência empírica em determinados contextos sociais, e sentenças que levantam a pretensão de ser normativamente válidas. Nesta posição não há propriamente validade normativa: normas podem ser descritas e explicadas, mas não podem ser legitimadas. No que diz respeito aos direitos humanos, deve-se falar aqui de uma primazia completa do legal, ou seja, do estabelecido por lei, sobre o justo.

A posição de E. Tugendhat[30] pode ser considerada decisionista na medida em que a aceitação de um conceito moral é uma decisão de cada indivíduo e nada há que o obrigue a tomar esta decisão. O indivíduo possui direitos na medida em que é membro de uma comunidade moral. Ora que ele seja membro de uma comunidade moral é objeto de sua escolha[31] que depende de como ele quer compreender a si mesmo, de quem ele quer ser e do que escolhe como importante para sua identidade, do que ele considera fundamental para sua vida. Apenas aqueles que aceitam entrar numa comunidade moral estarão comprometidos com o respeito a todos os seus membros, ou seja, com o reconhecimento de direitos iguais e universais de todo e qualquer integrante desta comunidade. Neste sentido, o reconhecimento de direitos pressupõe os princípios de uma moral universal e igualitária que atribui a todos os indivíduos um valor normativo igual.Não aceitando uma posição moral, nossa relação com os outros será estritamente instrumental.

b)Uma posição muito próxima a esta é do naturalismo[32] que tem a ver com o problema da especificidade do normativo, que aqui é resolvido através da redução da linguagem normativa a outras formas de linguagem como, por exemplo, psicológica, sociológica, biológica, etc. Nesta perspectiva, pode-se articular a tese semântica central do naturalismo: todas as sentenças normativas podem ser traduzidas em sentenças não-normativas o que significa uma conseqüência do cienticismo que afirma que somente proposições das ciências podem ser racionais. A esta tese corresponde a tese ontológica básica: “tudo que é seria uma coisa, seria, portanto da espécie de objeto que é passível de descrição completa pelas ciências naturais[33]”…

c)Ainda tem influência no pensamento contemporâneo a crítica de Hegel de que a teoria dos direitos foi concebida a partir da oposição tipicamente moderna ao espírito da cidade grega, ou seja, a partir da afirmação do princípio da subjetividade dos indivíduos, portanto, em contraposição ao princípio da substancialidade do Estado enquanto aquela totalidade maior que engloba os indivíduos e as diferentes figuras do espírito objetivo como seus momentos[34]. Ora, para ele, a afirmação exclusiva do princípio da subjetividade representa uma expressão incompleta do espírito já que desemboca no individualismo na medida em que não é o espírito como princípio substancial que é o fundamento primeiro, mas o indivíduo singular como vontade livre o que em filosofia política desemboca numa teoria contratualista do Estado que reduz o Estado a um meio em vista da efetivação dos fins dos indivíduos e na ética na idéia de que a moralidade é o momento mais elevado do espírito objetivo. Este idealismo subjetivo moderno não pode entender o espírito como conciliação porque separou seus momentos como realidades isoladas uma da outra: o particular do universal, o sensível do inteligível. Vontades particulares separadas umas das outras e desprovidas do universal jamais podem gerar o universal a partir de si mesmas a não ser um universal que é simplesmente meio. Por esta razão mesma é que as vontades individuais modernas só podem ver o Estado como uma universalidade que as limita. Isto em última instância leva à negação do fundamento de toda a vida humana, isto é, do espírito enquanto universalidade substancial. Para Hegel, a verdadeira liberdade não é destruída, mas gerada pela universalidade substancial.

d)Uma objeção muito difundida é que os direitos humanos, como eles se exprimiram nas declarações modernas, são a expressão da concepção individualista do ser humano como ela se articulou a partir do pensamento de Hobbes[35] que parte da afirmação de que todos os seres humanos são egoístas racionais. Não há seres humanos melhores ou piores, todos são iguais em seu desejo essencial de autoconservação e satisfação de seus impulsos. Neste sentido, o ser humano é essencialmente voltado para sua própria existência e a afirma radicalmente[36]. Daí porque a ética se reduz ao cálculo útil: virtuoso é o que é útil ao Estado que é uma instituição legítima precisamente por abrir espaço para o desenvolvimento dos interesses privados de todos. Nesta perspectiva, os direitos humanos, entendidos em primeiro lugar como direitos subjetivos, reforçam o egoísmo privado dos indivíduos.

e)No que diz respeito à relação entre ética e direito há hoje objeções que vão em direções opostas. Assim, por um lado, M. Villey[37], explica o declínio do direito em nossas sociedades pelo esquecimento de suas relações com a ética e a política tais como foram pensadas na teoria do direito natural clássico e especialmente em Aristóteles. A raiz disto é para ele a teoria de Kant que, tendo separado a esfera da liberdade da esfera da natureza, esvaziou o universo jurídico de seu conteúdo substancial com a conseqüência de privar o direito de seu fundamento e de assim reduzi-lo a nossas preferências subjetivas. O Humanismo moderno aqui expresso, abstrato e formal segundo Hegel, faz do ser humano o mestre da natureza e por isto vive da ilusão da parte que quer dominar o todo e com isto substitui a idéia da filosofia clássica de que cada um tem porções estritamente limitadas precisamente pelos direitos humanos. A teoria moderna dos direitos possibilita uma extrapolação da propriedade de si mesmo e dos bens. Numa direção semelhante pensa A. MacIntyre[38] ao afirmar que o universo ético muda radicalmente de forma quando se separa da verdade e da visão teleológica do ser humano e se reduz à expressão de sentimentos pessoais. Este é o resultado a que conduziu a crise da cultura iluminista moderna que é radicada numa concepção calculadora da razão, incapaz de captar essências e a dimensão teleológica do mundo objetivo. Esta cultura fracassou em seu intento de fundamentar uma moralidade independentemente da tutela teleológica e das tradições. Com isto a modernidade instalou um vazio ético que nos conduz a uma alternativa trágica: ou ao decisionismo ou à hipertrofia dos desejos e das paixões do indivíduo soberano.

Na direção exatamente oposta vão todos aqueles que afirmam que a política dos direitos humanos conduz a guerras que assumem em virtude disto uma qualidade moral, o que significa uma perigosa moralização da política[39]. C. Schmitt[40] afirma que as guerras mais terríveis são feitas em nome da paz e que os atos mais desumanos são realizados em nome da dignidade humana. Isto porque a política dos diretos humanos[41] está a serviço da efetivação de normas que são parte de uma moral universalística.

f)Num ambiente marcado por Nietzsche, o homem dos direitos do homem é apenas uma figura histórica destinada a desaparecer. Já em sua primeira fase[42], Nietzsche procura apreender o espírito da tragédia grega contrapondo-a ao que ele denomina de socratismo, ou seja, a ciência desenvolvida pela teoria e dialética socráticas. A sabedoria trágica se revela superior ao saber socrático por sua afirmação da vida “como vontade de transformar, transfigurar e, esteticamente, justificar a existência e o mundo[43]”. Nos escritos de transição[44], ele vai então conceber a moral, como ela foi elaborada na tradição grega e cristã, assim como todo juízo de valor, como algo que impõe limites à existência, denegrindo-a naquilo que ela possui de mais fértil, de mais afirmativo. Na fase final, Nietzsche vai situar sua genealogia da moral no contexto de uma interpretação global da cultura humana[45] a partir da categoria central de vontade de poder como força criadora de valores e que na história se revela como uma força ambivalente, ou seja, ativa ou reativa. Ora as idéias e os valores morais da tradição ocidental se radicam na expressão mais significativa da força reativa, o ressentimento, a mola da força reativa dos fracos e que se contrapõe com o discurso da moralidade, ligada à passividade e à submissão, à força realmente criativa dos fortes. O homem livre é por isto imoral, pois em todas as coisas só quer depender dele mesmo (Aurora & 9). Só uma inversão radical de valores, efetivada pelo instinto ou pela vida em sua força originária, poderá abrir o espaço para uma nova moral de afirmação da vida que é o valor supremo.”Minha fórmula reza: vida é vontade de poder: nela está a norma suprema de todos os valores. Que é bom? Tudo o que eleva no homem o sentimento de poder, a vontade de poder, o poder mesmo. Que é mau? Tudo o que provém da fraqueza….Os fracos e os deficientes devem sucumbir: primeira sentença de nosso amor ao ser humano. E devemos ainda ajudá-los nisto. Que é mais prejudicial do que algum vício? A compaixão de ação com todos os deficientes e fracos _ o cristianismo”. (O AntiCristo,  nr. 2). Só assim atingirá o homem aquilo que o constitui acima de tudo: o ato criador de valores num processo que nunca chega ao fim.

f)Em contraposição radical à teoria dos diretos humanos se põe o relativismo contemporâneo que assume a forma de contextualismo e particularismo. Podemos com Kersting afirmar a que a tese central de uma postura relativista consiste em considerar os sistemas morais como dotados de uma validade apenas relativa “não podendo, por conseguinte, reivindicar uma validade universal, validade supratemporal e invariável, de cultura para cultura[46]”. A partir daqui, toda tentativa de fundamentar uma postura normativa universalista, como é o caso da teoria dos direitos humanos, se fundamenta numa “ilusão arquimédica” já que é impossível ao ser humano se subtrair aos preconceitos de seu próprio contexto cultural[47], portanto, os direitos humanos não possuem fundamento objetivo e só podem existir como mero ordenamento jurídico a partir de consensos estritamente convencionais, portanto, arbitrários, mera regra de jogo.

Um bom exemplo deste tipo de contextualismo radical é R. Rorty.O pensamento clássico pretendeu, segundo Rorty, graças ao conceito, captar a forma e o movimento da natureza e da história o que, em última instância, conduziu à pretensão de que necessariamente se pode descobrir como corrigir a injustiça[48] da história humana.Rorty considera isto precisamente a doença que subjaz a todo o pensamento ocidental a partir da intuição exatamente contrária: não existe uma realidade maior para além da realidade que se manifesta no dia-a-dia[49], que pudesse oferecer para ação do ser humano no mundo um horizonte de reconciliação e salvação. Daí porque sua proposta consiste basicamente em curar a humanidade da doença platônica, metafísica, o que, segundo ele, deve ocorrer através de uma radicalização da postura da filosofia analítica que tem seu cerne na reviravolta lingüística[50]. Na medida em que esta reviravolta é levada até o fim enquanto reviravolta pragmática se manifesta a necessidade de renúncia a uma premissa que a vinculou tacitamente à grande tradição do pensamento ocidental, ou seja, a de que ainda há verdades filosóficas a descobrir, que podem ser fundamentadas com argumentos. Daí a conclusão: a primeira tarefa é a desconstrução da metafísica, o desmascaramento do platonismo, que inicia com a demonstração de que mesmo a filosofia analítica permaneceu presa à metafísica que combateu, o que faz vir à tona o fato de que toda nossa cultura está radicada nos mal-entendidos que remontam a Platão.

A reviravolta lingüística consistiu basicamente em mostrar que a expressão lingüística é a mediação necessária de todo e qualquer saber, condição ineliminável de todo nosso acesso ao mundo, pois em qualquer compreensão de situações ou eventos no mundo se penetram mutuamente linguagem e realidade de tal modo que a pergunta pelo que se pode conhecer implica sempre a pergunta pelo que se pode dizer. Assim, nunca abandonamos a esfera da linguagem o que nos leva a uma concepção antifundamentalista de conhecimento, pois, como diz Rorty, algo só pode valer como justificação com relação a outro algo que já aceitamos e, por esta razão, nunca podemos, saindo de nossa linguagem, crenças, conjecturas e opiniões, chegar a um critério independente do critério de coerência de nossas afirmações[51]. Portanto, na reviravolta pragmática, em sua interpretação contextualista, isto implica que não pode existir acesso a entidades do mundo independentemente do processo de entendimento intersubjetivo e do contexto lingüístico de nossos mundos vividos[52] das diferentes comunidades históricas.

Para Rorty, a linguagem é contingente, o eu e a comunidade são também contingentes, a contingência é então o princípio do pensar de modo que a referência a normas absolutas não passa de um sonho inútil dada a condição humana que é a condição da finitude. Ao invés então de normas transcendentes[53] a que não temos acesso, só nos resta a solidariedade de nossas crenças e valores comuns, de nossas preferências e de nossas escolhas no contexto comum de nossa forma de vida, o que, para ele, contudo, não nos conduz ao relativismo, cuja postura é essencialmente dependente do modelo representacionista do conhecimento já superado, mas por outro lado tem como conseqüência que a justificação dependa sempre de critérios diferentes de acordo com os contextos históricos o que exige de nós que paremos de nos preocupar com a objetividade e nos tornemos satisfeitos com a intersubjetividade[54]. Isto implica a falta de sentido para o ceticismo, pois enquanto indivíduos socializados já sempre nos encontramos no horizonte de nosso mundo vivido, lingüisticamente interpretado, e isto pressupõe um pano de fundo de convicções intersubjetivamente partilhadas e confirmadas praticamente que tornam inteiramente sem sentido a dúvida total.

Os comunitaristas[55], por sua vez, defendem que a validade das normas só pode ser determinada no seio de uma tradição cultural específica, que é portadora de uma pré-compreensão concreta de mundo. Qualquer tentativa de apelar a princípios universalistas emerge como um empreendimento sem sentido por desembocar num dever-ser abstrato. Por esta razão, eles criticam a orientação universalista do liberalismo moderno[56] e defendem o particularismo normativo, que acentua o valor das tradições e as obrigações que derivam da pertença a determinadas formações sociais. Só existem mundos axiológicos particulares o que nos obriga a nos abster de tomar posição sobre os assuntos internos de outras coletividades. Daí sua crítica ao individualismo moderno atomístico e a defesa de uma política de integração ao bem coletivo como conseqüência da natureza social do ser humano. Por isto insistem no caráter situacional da razão humana, na pluralidade e contextualidade como dimensões básicas da vida.

Esta posição põe, para Apel, uma dificuldade enorme para o cumprimento da tarefa de fundamentação de uma ética a partir das exigências específicas de nossa situação histórica: tendo sido aceita a tese básica da ineliminável pré-compreensão de mundo que nos marca, da pertença originária a uma comunidade de língua e de cultura, parece razoável admitir que todos os nossos padrões de valor são fundamentalmente dependentes de uma tradição cultural específica, o que tem como conseqüência que toda ética é relativa a uma cosmovisão e a uma tradição cultural determinadas. Daí porque hoje a ética só pode ser concebida como uma ética que somente pode existir enquanto efetivada em diferentes éticas, necessariamente contingentes, limitadas, distintas e sem pretensões à universalidade. O caminho da emancipação humana passa assim pela particularidade.

 

 

3) Universalidade e Historicidade do agir humano.

 

3.1 A esfera lógico-ontológica como fundamento do valor ontológico.

 

O problema filosófico central na esfera da razão prática é a questão da fundamentação das regras e instituições que só podem ser consideradas racionais se se pode mostrar por meio de argumentação a validade universal de seus princípios. Este é o grau de saber específico da filosofia que, então, se situa de antemão no nível do discurso global, transcultural, portanto, na esfera do que Apel denomina a globalização de segunda ordem. A tarefa fundamental deste tipo de saber consiste em fundamentar princípios universais que possam tornar possível o relacionamento entre indivíduos, grupos e instituições, estados e sociedades nacionais, legitimado por razões e não simplesmente imposto pelo arbítrio e pela força. Esta problemática se tornou ainda mais urgente em nossos dias em virtude da proximidade cada vez maior entre as pessoas e os povos e culturas que resulta do próprio processo de globalização. “Ai surge a necessidade de um paradigma normativo irrestritamente compatível, que seja universavelmente comensurável, pois essa nova proximidade e essa nova unidade precisam ser organizadas[57]”.O ponto de partida desta reflexão é nossa própria situação epocal que põe o desafio de uma fundamentação de princípios normativos tanto no que diz respeito às ações dos indivíduos como à configuração das instituições internacionais tendo como pano de fundo as chances, mas também os conflitos desastrosos originados da globalização. Trata-se de fundamentar uma ética política da solidariedade universal[58].

Ora, o ponto de convergência entre o comunitarismo e a reação liberal de Rorty e Rawls a suas teses é para Apel precisamente esta tese historicista e relativista da dependência cultural das normas morais fundamentais. Esta posição, para Apel, pode ser considerada representativa das orientações hegemônicas do pensamento contemporâneo e levanta para a filosofia um dilema[59]: a)Ou ela acolhe a tese da historificação total do pensar, ou seja, da subordinação plena a jogos contingentes de linguagem e a formas de vida sócio-culturais e rejeita coerentemente toda e qualquer postura universalista, o que para Apel implica torna-se incapaz de dizer qualquer palavra responsável sobre nosso mundo marcado por processos de globalização; b)Ou leva a sério o desafio da historificação para mostrar que não só ele não elimina a pergunta propriamente filosófica, isto é, a problemática da validade de princípios universais, mas a torna mais aguda, pois se trata de mostrar como é possível e válido o próprio discurso contingente e histórico dos diferentes jogos de linguagem, ou seja, de tematizar reflexivamente as condições não-contingentes do conhecimento válido do contingente.

Numa palavra, a própria situação de pluralismo desafia a reflexão ética hoje a não perder nenhum dos pólos em questão: por um lado, as próprias questões de abrangência mundial com que nos confrontamos tornam premente a recuperação de uma postura universalista; por outro lado, a consciência da historicidade e conseqüentemente da imensa diversidade das situações humanas nos impede de advogar uma ética indiferente à particularidade histórica. O grande desafio não seria aqui precisamente encontrar uma posição mais abrangente capaz de reconciliar os opostos?

Partimos em nossa reflexão da tomada de consciência que já sempre nos situamos no seio de uma linguagem determinada, quando levantamos estas questões, isto é, falamos uns com outros sobre coisas, pessoas, eventos, posições teóricas, etc. Isto significa dizer que é ininteligível[60] um algo, uma realidade ou possibilidade inteiramente, isto é, em todos os aspectos, independente da esfera da linguagem (num sentido abrangente que engloba também lógica, espírito, teoria). Portanto, a compreensão de algo como algo é impensável sem a mediação da linguagem. A posição daquilo que L. B. Puntel chama de “realismo transcendente” contém uma contradição performativa na medida em que, por um lado, a realidade é considerada algo independente de todo componente conceitual; por outro lado, fala-se sobre esta realidade, relaciona-se de alguma forma com ela o que necessariamente implica em elementos conceituais. Não somente são utilizados determinados conceitos, mas a própria realidade é concebida assim ou assado. Foi já a partir desta perspectiva que a tradição do pensamento ocidental pensou a problemática da relação entre pensamento, linguagem e realidade. A atividade da filosofia foi sempre concebida como uma atividade reflexiva só que seu tema fundamental aqui é a estrutura do discurso sobre o real e não, como na modernidade, as condições subjetivas ou sociais do conhecimento empírico dos indivíduos do mundo. Portanto, perguntou-se pelas condições lógicas, independentes das faculdades do sujeito cognoscente, às quais qualquer representação da realidade que levanta a pretensão de verdade deve submeter-se. Trata-se aqui de condições objetivas, universais, de nosso falar sobre o real, cuja validade é independente de qualquer estrutura subjetiva ou intersubjetiva, embora sua mediação seja ineliminável. O objetivo da reflexão é determinar que condições objetivas tornam possível que se estabeleça uma relação entre um símbolo proposicional e algo determinado no mundo.

Uma retomada desta postura, vinculada agora a um procedimento demonstrativo rigorosamente explicitado, encontra-se hoje no pensamento de Wandschneider: trata-se para ele de legitimar as estruturas básicas da argumentação enquanto tal a partir de uma reflexão sobre suas condições necessárias[61]. Ora, toda filosofia pressupõe a possibilidade de argumentação e, com isto, lógica[62], mesmo aquela que faz da lógica seu princípio. A lógica, portanto, pressupõe a si mesma e só pressupõe lógica. Por sua vez, a fundamentação é uma relação lógica o que tem como conseqüência que a fundamentação da lógica só pode ocorrer no seio de si mesma. Não pode existir, então, um lugar fora da lógica a partir de onde a lógica pudesse ser fundamentada independentemente da própria lógica. Portanto, a lógica pressupõe lógica e somente lógica para sua legitimação. Ela não tem outros pressupostos além dela mesma e precisamente neste sentido é sem pressupostos. Numa palavra, a autofundamentação é uma fundamentação que se caracteriza pelo fato de não se radicar em pressupostos arbitrários, mas por possuir caráter logicamente necessário. O acesso a ela se faz unicamente, dado seu caráter não empírico, através de argumentos reflexivos, isto é, da reflexão do pensamento sobre si mesmo e seus pressupostos irrecusáveis, cuja especificidade é legitimar os próprios princípios de nosso conhecimento e de nossa ação. Não se trata, portanto, de eliminar a lógica formal, mas antes de fundamentá-la através da reflexão transcendental enquanto autofundamentação da lógica.

Na tradição metafísica desde Platão e Aristóteles é precisamente esta análise lógica da forma do pensamento que tem a tarefa de fundamentar a ontologia e isto se faz possível através da ligação de dois pressupostos[63]: 1)Há diferentes modalidades de discurso. Uma que teve em toda a tradição um papel fundamental é a que levanta a pretensão de dizer o que as coisas são ou o que não são[64], ou seja, as sentenças assertóricas, declarativas. Este tipo de sentença possui uma forma essencial, cuja presença numa conexão simbólica constitui a condição necessária e suficiente para identificar este discurso como falso ou verdadeiro; 2)A natureza essencialmente simbólica do pensamento. A conseqüência imediata da ligação dos dois pressupostos é que esta reflexão sobre os pressupostos lógicos está apta a tematizar condições que não pertencem simplesmente ao pensamento, mas aos próprios entes pensados. Portanto, a filosofia reflexiva no sentido da tradição pode fundamentar teses que não só dizem respeito ao pensamento e à linguagem, mas à estrutura essencial do que é pensado através do discurso. Isto significa dizer que os entes possuem propriedades essenciais[65], ou seja, aquilo que não podem deixar de ter sem ser o que são, propriedades, então, que lhe são necessariamente inerentes em todas as situações possíveis. A tese fundamental neste contexto é: se o mundo pode ser pensado, então a reflexão é capaz de expressar os traços essenciais da estrutura do mundo, ou seja, se o que torna possível que algo possa ser pensado é sua inteligibilidade e esta se identifica com a possibilidade de ser, então as condições de possibilidade da inteligibilidade do ser são igualmente condições de possibilidade do ser. Numa palavra, a lógica é em última instância ontologia, suas leis são também leis do ser.Portanto, não se entende lógica aqui como um sistema puramente formal, ininterpretável, como um puro cálculo, mas como linguagem no sentido de um sistema semântico de signos.

  1. B. Puntel tematiza três conseqüências fundamentais desta postura:

1)O valor é fundamentalmente a medida para as possibilidades de efetivação de um ente determinado ou posto a partir de sua constituição ontológica. Dizer que um ente não está simplesmente aí fixo e pronto significa dizer que é portador de uma estruturação ontológica caracterizada por um espaço determinado de possibilidades de efetivação. Cada ente põe esta medida a partir de si mesmo, isto é, de sua estruturação ontológica. É neste sentido que se pode dizer que cada ente tem um valor intrínseco[66], ou, substituindo a palavra valor pela da tradição, cada ente tem um “bem”, uma perfeição[67]. Negar esta tese equivale a dizer que o ente é desprovido de uma estruturação ontológica, o que como foi visto é algo ininteligível.

2)Os diferentes entes com seus valores próprios constituem um campo de valor.

3)Trata-se aqui de valor num sentido estritamente ontológico e não ainda ético. O ente é considerado em sua constituição ontológica como um elemento da totalidade do ser, portanto, estritamente num horizonte holístico-metafísico. O que se fez aqui foi simplesmente tematizar as conseqüências que provêm desta postura teórica. É precisamente esta constituição ontológica de cada ente que põe a medida de sua efetivação de tal modo que a medida ou o valor nada mais é do que a determinação plena da própria estrutura ontológica.

 

3.2 A constituição ontológica do ser pessoal como fundamento de seu valor ético.

Compete ao sujeito humano enquanto ser do lógico, enquanto espírito, na linguagem de Puntel, uma co-extensionalidade intencional com o universo ou com o ser[68], com aquele “todo que abrange simplesmente tudo[69]”, não só com o universo existente, pois a potencialidade do espírito vai além do existente na medida em que inclui todas as possibilidades de infinitos outros universos não realizados[70] precisamente enquanto são inteligíveis[71]. Ora a totalidade do ser é composta, pelo que foi dito antes, por entes determinados, isto é, constituídos por uma estruturação ontológica própria[72], por uma constituição ontológica específica, o que lhes atribui um lugar determinado no todo no qual eles podem desenvolver e efetivar suas possibilidades.

Assim, o ser humano enquanto espírito é total no sentido de ser co-extensivo ao ser e conseqüentemente à verdade (inteligibilidade) e à bondade (amabilidade) de tudo, e, com isto, “eu livre” na medida em que transcende tudo, não está preso por nenhum ente particular enquanto o todo enquanto tal constitui a condição de possibilidade de seu relacionamento com os entes. O ser subjetivo se afirmando como ser espiritual, ou seja, como conhecimento (ser para a verdade, para o acolhimento do ser) e liberdade (ser para o bem, para o valor, para o consentimento ao ser)[73], só se compreende adequadamente enquanto correlação ao todo. Precisamente a partir daqui se determina o lugar específico que ele ocupa no sistema do universo e ao mesmo tempo se revela que ele não pode ser pensado simplesmente como uma entidade física, pois a co-extensionalidade com o todo está para além de tudo que identificamos como realidade física[74].

Isto implica uma conseqüência fundamental na determinação da constituição ontológica do ser subjetivo: enquanto co-extensivo com o universo ele não pode ser reduzido a um elemento que é simplesmente meio para outros elementos do universo. Porque co-extensivo com o universo, ele é, então, ponto de referência do universo e enquanto tal não pode ser reduzido a puro meio. Ele é o ente que é fim em si mesmo num sentido estritamente ontológico[75].Que o ser humano não seja tratado como fim em si mesmo, isto é, seja reduzido a um meio para outros elementos do universo se contrapõe à sua constituição ontológica, equivale, portanto, a uma degradação ontológica.

A dimensão do valor ontológico é a base do valor propriamente ético, o que significa dizer que a passagem aqui não é analítica[76] e a razão fundamental desta impossibilidade lógica é que uma norma moral enquanto imperativo possui uma relação essencial a uma vontade. Numa palavra, sem a mediação da vontade um valor ontológico não assume o caráter de valor ético, portanto, é a vontade que eleva um valor ontológico a valor ético e esta age racionalmente ao afirmar um valor, quando tem um fundamento ontológico, ou seja, quando seu ato se funda num valor ontológico. É ele que fundamenta ou justifica o valor ético. Sem isto não teria sentido, por exemplo, a defesa do ser humano como ser que é fim em si mesmo e seus direitos. Uma outra questão fundamental, que não pode ser tratada aqui, é saber de que vontade se deve em última instância falar neste contexto[77].

Ora, o ser humano é liberdade, isto é, ele é, por sua constituição ontológica, aberto a um processo de conquista de si mesmo enquanto ser livre através de suas ações que fazem emergir as obras em diferentes dimensões através de que ele efetiva seu ser. Enquanto agente, ele busca os entes a partir do todo (co-extensionalidade intencional à totalidade do ser) e a si mesmo no todo. Neste agir no horizonte do todo em busca de seu ser próprio individual e social deixar-se orientar pela consideração da constituição ontológica dos seres é o que constitui o caráter racional de sua ação, pois a atividade reflexiva aponta para uma realidade objetiva, cuja inteligibilidade transcende a esfera do subjetivo e do intersubjetivo. É a partir da referência a esta esfera que se pode propriamente falar de um sujeito ético individual e coletivo.

 

3.3 A síntese entre universalidade e historicidade: a dialética entre a ética e as éticas.

É a partir deste horizonte que se mostra que universalidade e particularidade não constituem mundos inteiramente dicotômicos uma vez que a própria particularidade já possui em si mesma a universalidade: há uma razão transparente a si mesma, fundamento de si mesma, que perpassa todos os subsistemas e por isto nos permite sair de um e entrar num outro já que na multiplicidade há a presença do uno, na contingência a do necessário. Do ponto de vista ético, é precisamente a recuperação do universal[78] que abre o espaço à crítica e, portanto, à emancipação do universal humano: a insistência no particular, pensado sem universalidade, confirma situações de degradação da vida humana e destruição da natureza, a perpetuação dos guetos e da marginalização. Tudo isto nos mostra que a situação específica de nossa vida histórica nos faz capazes de enfrentar a problemática ética de uma forma mais adequada do que se possa ter feito no passado uma vez que nos sentimos, através desta própria situação, interpelados a levar em consideração as diferentes dimensões que constituem a ética e por isto de pensá-la como uma totalidade concreta, uma síntese de opostos.

Por um lado, o universal é algo ineliminável e sua negação nos leva a um relativismo insustentável, porque contraditório. O universal objetivo é, assim, o ponto de partida de qualquer reflexão ética[79].Mas ele não é tudo, pois tomado em si mesmo, é ainda abstrato, isto é, ele exprime um sentido não ainda plenamente exposto, não explicitado em suas determinações internas. Assim, por exemplo, a dignidade incondicional da pessoa humana é um universal sem o qual não podemos evitar os diferentes tipos de violência contra o ser humano; no entanto o que significa concretamente respeitar a dignidade humana nas diferentes situações históricas não pode ser deduzido a priori.Desta forma, o universal é um momento necessário do agir ético e, enquanto tal, algo que não pode faltar numa decisão ética, seu limite intransponível na medida em que exprime que o que em última instância está em jogo é a própria efetivação do ser humano, mas insuficiente uma vez que ele mesmo traz em si uma exigência de explicitação o que ocorre através das situações particulares dos indivíduos e das comunidades humanas que constituem a história humana[80]. Neste caso, a particularidade (conseqüentemente as éticas) constitui o momento de auto-explicitação do universal sem o qual não temos critérios para distinguir entre o correto e o incorreto em nossas vidas. A partir unicamente do universal não temos como tomar uma decisão numa situação histórica específica uma vez que é impossível deduzir sua particularidade do universal. Precisamente a situação histórica exige de nós uma encarnação histórica do universal, uma presentificação sua no irrepetível de uma determinada situação histórica. A história emerge aqui como o passo do universal para o particular, do abstrato para o concreto, como a síntese sempre de novo a realizar entre o universal normativo e a particularidade contingente de uma situação histórica.

É a partir da dupla raiz da ação humana que podemos compreender que não pode haver ética sem éticas: o universal nos diz a priori o que de antemão devemos excluir para superar o caos do arbítrio puramente subjetivo, portanto, exprime os critérios objetivos últimos que elevam os indivíduos ao plano de uma existência universal. As tarefas históricas, contudo, vão muito além disto, pois não se trata aqui simplesmente de efetivar possibilidades já estabelecidas, mas justamente de encontrar a forma justa de efetivar o universal numa configuração histórica específica o que implica a criatividade do espírito livre. Uma ação histórica significa assim o confluir das duas raízes de nossas ações: do universal que se faz efetivo nas particularidades históricas, portanto, da ética que se realiza através das éticas. Considerada a problemática a partir daqui, mostra-se que não há incompatibilidade entre ética e éticas de tal modo que o pluralismo das éticas é ele mesmo portador de um valor ético na medida em que constitui a única forma de efetivação do universal ético, abrindo assim para o ser humano o espaço de efetivação de sua liberdade. O pluralismo, por conseguinte, não necessariamente nega o universal, portanto, a ética, pois as próprias particularidades apontam para o universal como o referencial que torna possível a comunhão entre as particularidades, o que por sua vez possibilita a busca de soluções adequadas para os conflitos inevitáveis.

Tanto a universalidade (a ética), quanto a historicidade (as éticas) são dimensões essenciais da ação ética assim que uma decisão concreta humana pressupõe um duplo saber[81]: o saber da ordem universal e o saber da situação histórica que é o lugar em que normas se devem tornar realidade O saber da ordem universal estabelece o que não pode faltar em nossas ações, o que está excluído a priori, o horizonte normativo em que a ação se situa e que eleva o indivíduo à esfera da universalidade da razão[82]. No entanto, esta ordem universal não pode estabelecer positivamente de forma completa o que deve ser feito nas diversas situações históricas.

Um dos procedimentos importantes para a efetivação histórica das normas éticas é o que V. Hösle[83] denomina os silogismos mistos que deduzem uma sentença normativa a partir de uma sentença normativa e uma descritiva através de uma combinação entre o saber normativo e o saber empírico. Precisamente aqui se situa para Hösle o procedimento que permite resolver o problema da contraposição radical em ética entre uma postura absolutista e uma postura relativista. As premissas maiores de um silogismo ético valem em todos os tempos e lugares, independentemente se existe ou não nas diversas culturas o conhecimento desta validade. A conclusão, porém do silogismo não vale em todos os tempos e lugares uma vez que sua validade depende da premissa menor, que é uma premissa empírica e depende das circunstâncias diferentes da história. Uma postura absolutista não tem compreensão para as normas concretas que são derivadas da combinação entre princípios éticos e premissas descritivas. No extremo oposto, o relativismo abstrato admite não só a mudança das normas éticas, mas também de seus princípios de tal modo que tudo é puramente contingente e passageiro. O relativismo desconhece a especificidade da dimensão normativa, enquanto o absolutismo não aceita a historicidade como momento constitutivo do ético. Ambas as posições se revelam unilaterais e, portanto, necessitam ser conciliadas e sintetizadas.

Ora a exigência fundamental de uma ética capaz de enfrentar a problemática oriunda de nossa situação epocal é o respeito a toda entidade em sua constituição ontológica específica de tal modo que se garanta, de forma consciente, a comunidade ontológica universal que constitui a estrutura básica do universo. Se todo ente é portador de um valor intrínseco que corresponde à sua estrutura própria de ser, todo ser humano, enquanto ser inteligente e livre, possui uma dignidade incondicional, que o faz portador no mundo do valor intrínseco supremo. Assim, a dignidade ontológica do ser humano que consciente e livremente se possui a si mesmo[84] exige a dignidade ética do ser pessoal que assim se revela como fim em si mesmo, portanto, portador de valor absoluto e de dignidade absoluta. A conseqüência ética primeira desta consideração é que a pessoa humana se revela enquanto sujeito ético como sendo o princípio (dimensão ontológica) e o fim (dimensão teleológica) de todas as instituições sociais que neste sentido são tanto sua realização como meios indispensáveis para que esta se efetive.

Este horizonte ético torna possível e fundamentado um engajamento no mundo que tem como alvo básico a reconstrução dos laços com a natureza não respeitada em sua constituição ontológica por nossa civilização técnico-científica,[85] e a instituição de comunidades humanas fundadas em relações de reconhecimento e de respeito mútuo da igual dignidade de todos os seres humanos e, conseqüentemente, de todos os povos, e por esta razão, constituídas por relações simétricas entre todos os seres humanos, nos diferentes níveis de organização de sua vida. Isto exige a configuração de relações interpessoais e instituições básicas de vida coletiva, que sejam capazes de tornar efetivos os direitos de todos que constituem a determinação do que seja a dignidade radicada na própria estrutura ontológica do ser humano. Numa palavra, a exigência ética suprema se explicita enquanto imperativo de construção de uma sociabilidade simétrica e transitiva[86]em que qualquer tipo de violência à dignidade incondicional do ser humano e a destruição irracional da natureza sejam reconhecidos como inaceitáveis. Com isto se manifesta a responsabilidade do ser pessoal diante do mundo e da história, ou seja, trata-se de humanizar a natureza e construir uma história de solidariedade.

Desta forma, a ética se radica, antes de tudo, no valor intrínseco da estrutura ontológica da pessoa humana que se efetiva na esfera de suas relações básicas: com a natureza e com os outros seres humanos. Daí porque se deve dizer que a exigência ética que nos deve marcar primordialmente é a humanização, ou seja, a promoção de tudo aquilo que pode contribuir para a realização do ser humano enquanto ser inteligente e livre, o que não nega nem se contrapõe à exigência de respeito e de cuidado da natureza. É fundamental aqui o estabelecimento de uma hierarquia de valores que estabeleça as balizas do processo de conquista da humanização e o critério básico a partir de onde está hierarquia pode ser construída. O que se acaba de dizer a respeito do valor do ser humano e da natureza constitui precisamente este critério básico.

3.4 O sentido do direito na vida humana.

A tradição chamou de direito natural[87] a esses direitos elementares[88] que decorrem da estrutura ontológica do ser humano e exprimem a exigência de sua dignificação ética[89]. Enquanto tal, o direito natural[90] é o conjunto de normas que podem ou mesmo devem ser impostas com meios coercitivos por razões morais.[91]  Neste sentido, o direito natural[92] se constitui como a medida para o julgamento moral do direito positivo, que se fundamenta nos princípios de uma ética universal[93]: sem ele, não é possível articular um julgamento fundamentado sobre a injustiça de um sistema jurídico vigente, portanto uma crítica objetiva do direito positivo se torna impossível[94]. Nesta perspectiva se diz que os direitos humanos são “direitos pré-estatais[95]” que permitem aos seres humanos se reconhecerem mutuamente como parceiros do direito[96] e, no sentido ontológico aqui explicitado, pode-se assumir a tese de W. Kersting: “só mediante a estrita consideração da natureza do ser humano se chega ao cerne do conceito de direitos humanos[97]. Assim, o direito natural é a instância de controle do direito positivo, pois pode haver sistemas positivos de direito em contradição com as exigências do direito natural.

A consideração da linguagem como mediação ineliminável de nosso acesso à totalidade do ser nos revela que o ser humano é essencialmente um ser individual e social e que se efetiva através de obras comuns. Isto significa que na consideração dos direitos do homem não partimos da concepção moderna de indivíduo como uma partícula isolada que só na medida em que precisa satisfazer suas carências e necessidades vai unir-se com outros através do vínculo jurídico do pacto social. A conseqüência para a compreensão dos direitos humanos é que eles são necessariamente direitos ao mesmo tempo individuais e sociais. Desta forma, por exemplo, a economia e toda a estrutura social devem ser de tal modo configuradas que todos possam ter acesso aos meios necessários à vida[98]. Cada um tem, enquanto indivíduo, direito a estes direitos elementares, isto é, ele é, enquanto singular, o mais autêntico e o último sujeito do direito e enquanto é uma pessoa é essencialmente vinculada a comunidades de pessoas. Isto significa que ontologicamente direitos individuais e sociais são direitos que se complementam mutuamente. Urge, por isto, procurar um equilíbrio entre as duas dimensões constitutivas dos direitos de tal modo, por exemplo, que não se permita a negação dos direitos dos povos em nome da defesa das liberdades individuais. Da mesma forma não se deve sem mais defender a concepção de que é impossível ter a igualdade e a liberdade política sem antes ter atingido a igualdade social. Numa palavra: os direitos das pessoas e dos povos são efetivados ou negados enquanto momentos de processos sociais em que grupos, classes e países tentam realizar seus diferentes projetos políticos e econômicos. Depende destes projetos se os direitos humanos se efetivam ou não, ou seja, em última instância se o ser humano se efetiva ou não como ser livre.

Os direitos são direitos da pessoa enquanto pessoa[99], cuja constituição ontológica se caracteriza por vincular a mais radical individualidade com a maior universalidade enquanto abertura à totalidade do ser. Enquanto pessoa, o ser humano é, em primeiro lugar, um ser singular já que seu processo de individuação é positivo e interior: ele se fundamenta na liberdade enquanto aquela relação em que o ser humano se possui a si mesmo na forma da tarefa indeclinável de configurar seu próprio ser. Pessoa é liberdade, finalidade em si mesma e dignidade intrínseca suprema. Sua defesa é obrigação inevitável de cada um. Por outro lado, na base de sua espiritualidade a pessoa é mais aberta de qualquer outro ente e sua auto-efetivação ocorre na construção de obras comuns na história. Enquanto pessoa, ser inteligente e livre, o ser humano é portador de direitos inalienáveis que são vinculados essencialmente à constituição ontológica do ser pessoal e enquanto tais devem ser considerados como naturais. Mas porque a pessoa é essencialmente um ser histórico, os direitos são sempre uma obra a se realizar na história[100]. A conseqüência disto que há sempre novos direitos a serem efetivados[101].

Fala-se com razão de direito abstrato e direito concreto para sublinhar que o direito é, em primeiro lugar, uma exigência ética, um fim ético, mas que esta exigência universal permanece vazia se não é confirmada através do processo de sua institucionalização, ou seja, através da efetivação de todas aquelas condições, que efetivam os direitos[102]. Por esta razão quando não se articulam as declarações de princípios com o caminho de sua efetivação[103], as declarações dos direitos humanos podem servir às ideologias que legitimam os sistemas políticos e econômicos mais brutais. Um exemplo claro é o dos ditadores de diferentes linhas políticas que, a pretexto de autodefesa cultural, isolam seus regimes contra a difusão de exigências do Estado direito e da democracia. A tese da exigência de institucionalização contém o dever moral de eliminar os obstáculos através da transformação das instituições sociais, que produzem a negação de direitos. Neste contexto se revela fundamental o papel, por um lado, das ciências no conhecimento das situações sociais e dos meios que podem levar a sua transformação e, por outro, das lutas concretas que brotam da consciência conquistada nas experiências históricas de sofrimento e opressão.

A norma decisiva do direito natural objetivo é que os direitos naturais subjetivos dos portadores de direito devem ser protegidos com coerção[104], o que significa efetivar a razão como a instância que rege a existência social[105] e que, portanto, os seres humanos orientam suas vidas nos princípios da justiça e se respeitam mutuamente como membros de uma associação de iguais e livres. Por uma série de razões, o reconhecimento político, a defesa destes direitos, sua proteção jurídica que objetiva a harmonia das liberdades deve ser tarefa de uma instância pública, o Estado de direito, o que implica que pode ou deve empregar coerção, quando necessário, para defender as pessoas, sobretudo os indefesos_ crianças e deficientes, mulheres, idosos, enfermos, moradores de rua, desempregados _ que enquanto tais são compreendidos como cidadãos, isto é, não simplesmente na particularidade empírica de sua existência natural[106], mas na universalidade racional de sua existência política[107], ou seja, como sujeitos universais ou sujeitos de direitos universais[108], isto é, direitos de todos e para todos, e esta é sua tarefa primeira e elementar.[109] Isto porque é impossível garantir uma vida com sentido em qualquer contexto histórico sem que certos pressupostos fundamentais sejam efetivados[110]. Assim, uma vez que o ser humano é um ser de natureza entre os pressupostos de uma vida suportável estão a capacidade básica de funcionamento biológico e a subsistência[111]e, enquanto ser espiritual, ele é marcado pelas exigências da busca da verdade, da liberdade e da justiça de tal modo que toda ação de indivíduos ou instituições que entre em contradição com estas exigências básicas do ser humano deve ser rejeitada a partir dos direitos humanos.

Por esta razão, um direito moral precisa também garantir a segurança jurídica e um “Estado de direito” é o que é capaz de unir justiça e segurança legal e, portanto, é capaz de reconhecer e garantir a prática dos direitos humanos e só enquanto tal pode ser dito um Estado de Direito[112]. Nesta ótica, os direitos humanos se revelam como “os pressupostos coletivo-institucionais de uma vida que tenha sentido e possa esperar que vá terminar por morte natural[113]”.Neste contexto, devem ter privilégio ético todos os que de diferentes formas são vítimas de discriminações que implicam na negação de seus direitos. Daí porque é fundamental o desenvolvimento de uma cultura de direitos[114] que se radica na tomada de consciência da dignidade do ser pessoal. É na consciência e na luta pela defesa destes direitos que o ser humano se constitui como cidadão. Isto explica igualmente o sentido da solidariedade na vida humana: as obras da pessoa livre (na ciência, filosofia, arte, economia, política e etc.) nunca são realizadas somente por um indivíduo, mas as pessoas se unem para efetivar um sentido comum, para cumprir uma tarefa comum e isto significa que o direito é resultado de integração.

 

[1] Th. Kesselring considera a declaração dos direitos humanos a grande conquista moral do século XX. Cf. Kesselring Th., Licht und Schatten im europäischen Menschenrechts-Konzept, in: Fornet-Betancourt R. (org.), Menschenrechte im Streit zwischen Kulturpluralismus und Universalität, Frankfurt am Main: IKO, 2000, pg. 41.

[2] Cf. Lima Vaz H. C. de, Escritos de Filosofia V. Introdução à Ética Filosófica 2, São Paulo: Loyola,2000, pg. 86.

[3] Para E. R. Rabenhorst „o vocabulário dos direitos humanos é o principal alimento que nutre o debate político contemporâneo. Afinal com a crise das utopias igualitárias….os direitos humanos assumiram uma função crítica face à objetividade e passaram a funcionar como uma espécie de guia político completo. Cf. Rabenhorst E. R., Direitos Humanos e Globalização Contra-hegemônica: notas para o debate, in: Lyra R. P. (org.), Direitos humanos: os desafios do século XXI _ uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, pg. 17.

[4] Cf. Habermas J.,Die Einbeziehung des Anderen. Studien zur politischen Theorie, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, pg. 214.

[5] Cf. Chesnais F., A Mundialização do Capital, São Paulo: Xamã, 1996. Goggiola O. (org.), Globalização e socialismo, São Paulo: Xamã, 1997. Hirst P./ Thompson G., Globalização em questão. A economia internacional e as possibilidades de governabilidade, Petrópolis: Vozes, 1998. Beck U. (org.), Politik und Globalisierung, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998. Barroso J. R. (org.), Globalização e identidade nacional, São Paulo: Atlas, 1999.Giddens A., Mundo em descontrole _ o que a globalização está fazendo de nós, Rio de Janeiro: Record, 2000. Furtado C., O capitalismo Global, qua. Ed., Rio de Janeiro: 2000. Fornet-Betancourt R. (org.), Kapitalistische Globalisierung und Befreiung. Religiöse Erfahrungen und Option für das Leben, Frankfurt am Main: IKO _ Verl. für Interkulturelle Kommunikation, 2000.

[6] Cf.: Habermas J., Theorie des kommunikativen Handelns, vol. II, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981, pg. 548 e ss.

[7] Para Höffe se trata aqui da palavra-chave da filosofia política contemporânea. Cf. Höffe O., Demokratie im Zeitalter der Globalisierung, München: Beck, 1999, pg. 13.

[8] Para Th. Kesselring o sistema econômico hegemônico gesta um espaço desfavorável a uma melhora na efetivação dos direitos humanos. Cf. Kesselring Th., op. Cit., pg. 52.

[9] Cf. Oliveira M.A de,  Neoliberalismo e ética, in: Ética e economia, São Paulo, 1995, pg.59 e ss.

[10] Cf. Faus J. I. G., Direitos Humanos, Deveres meus. Pensamento fraco, caridade forte, São Paulo: Paulus, 1998, pg. 20.

[11] Cf. Hinkelammert F. J., Der gegenwärtige Globalisierungsprozess und die Menschenrechte, in: Fornet-Betancourt R. (org.),  op. Cit.,  pg. 62.

[12] Para Hinkelammert os direitos humanos hegemônicos na estratégia da globalização são direitos humanos de “pessoas coletivas” como Mercedes, Siemens, Toyota e Microsoft. Na lógica reinante, estes direitos das pessoas coletivas engolem os direitos das pessoas humanas. Cf. Hinkelammert F. J., op. Cit., pg. 64.

[13] Cf. Höffe O, op. cit., pg. 20.

[14] Cf. Habermas J., Die postnationale Konstellation. Politische Esays, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, pg. 101.

[15] Na linguagem de Bobbio. Cf. Bobbio N., A era dos direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[16] Esta é para Hinkelammert a fundamentação que é dada para as novas políticas que transformam a economia numa guerra pela conquista das vantagens da competitividade. Cf. Hinkelammert F. J.,op. Cit., pg. 60.

[17] Cf. Boron A. A., Estado, capitalismo e democracia na América Latina, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994; A coruja de Minerva. Mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo, Petrópolis: Vozes, 2001.

[18] A respeito do caso do Brasil cf. Furtado C., Brasil: a construção interrompida, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. Conceição Tavares M. da, Império, território e dinheiro, in: Fiori J. L. (org.), Estados e moedas no desenvolvimento das nações, Petrópolis; Vozes, 1999, pg. 449-489.

[19] Cf. Wanderley L. E. W., A questão social no contexto da globalização: o caso latino-americano e caribenho, in: Castel R./ Wanderley L. E. W./ Belfiore-Wanderley M. (org.), A Desigualdade e a questão social, São Paulo: Educ, 2000, pg.51-161.

[20] Cf. Habermas J., Die postnationale Konstellation, op. Cit., pg. 110-111.

[21] Cf. Baudrillard J., Para uma crítica da economia política do signo, Lisboa: Martins Fontes, s.d.. Melo H. Bruzzi de, a Cultura do Simulacro. Filosofia e Modernidade em J. Baudrillard, São Paulo: Loyola, 1988, pg. 72 e ss.

[22] Nesta perspectiva F. Hinkelammert afirma que falar hoje no processo atual de globalização de direitos humanos significa falar sobre o sistema que fere e ameaça a dignidade humana. Cf. Hinkelammert F. J. op. cit., pg. 60.

 

[23] Cf. Santos B. de Souza dos, Uma concepção multicultural dos direitos humanos, in: Lua Nova, revista de cultura e política, n. 39 (1997).

[24]  Cf. Rabenhorst E. R., op. Cit., pg. 17.

[25] Cf. Dworkin R., Taking Rights Seriously, Cambridge (Mass.): Harvard Univ. Press, 1977.

[26] A posição cética radical reduz a moral a sentimentos, desejos e decisões arbitrárias dos indivíduos. O confronto com o cético é para Apel indispensável, quando está em questão a pergunta a respeito da possibilidade de uma filosofia intersubjetivamente válida, pois se a possibilidade da argumentação válida é negada, a filosofia, enquanto atividade essencialmente argumentativa, é de antemão impossível. Cf. :Apel K-O, Die Diskursethik vor der Herausforderung der lateinamerikanischen Philosophie der Befreiung, in: Fornet-Betancourt R.(org.), Konvergenz oder Divergenz?  Eine Bilanz des Gesprächs zwischen Diskursethik und Befreiungsethik, Aachen: Verlag der Augustinus-Buchhandlung,1994, pg. 21.

[27] Cf. Faus J. I. G., op. cit., pg. 18.

[28] A respeito do exemplo de C. Schmitt cf. Arruda J. M., Carl Schmitt: política, Estado e direito, in: Oliveira M./ Aguiar O. A./ Andrade e Silva Sahd L. F. N (org.), Filosofia Política contemporânea, Petrópolis: Vozes, 2003, pg. 56-86.

[29] Cf. a respeito: Ferraz Jr. T. S., A legitimidade pragmática dos sistemas normativos, in: Merle J-Chr./ Moreira L. (org.), Direito e Legitimidade, São Paulo: Landy, 2003, pg.  289 e ss.

[30] Cf. Tugendhat E., Vorlesungen über Ethik, seg. ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, pg. 79 e ss; 336 e ss.

[31] Cf. Dias M. Cl., Os Direitos Sociais Básicos: uma investigação filosófica dos direitos humanos, Porto Alegre: Edipucs, 2004, pg.87: “A constituição de uma consciência moral e os sentimentos a ela associados dependem de que o indivíduo queira ser compreendido como integrante da comunidade moral, ou seja, queira pertencer à totalidade dos indivíduos, cujo agir está orientado por regras morais”.

[32] Cf. a respeito: Hösle V., Sobre a impossibilidade de uma fundamentação naturalista da ética, in: Stein E./ de Boni L. A. (org.), Dialética e Liberdade. Festschrift em homenagem a Carlos Roberto Cirne Lima, Petrópolis/ Porto Alegre: Vozes/ Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1993, pg. 588-609.

[33] Cf. Kersting W., Em defesa de um universalismo sóbrio, in: Universalismo e Direitos Humanos, Porto Alegre: Edipucs, 2003, pg. 81.

[34] A respeito da crítica análoga de Marx cf. Oliveira M. A. de, Marx: a eticidade alternativa, in: Ética e Sociabilidade, terc. Ed., São Paulo: Loyola, 2003, pg. 282-284.

[35]Cf. Hösle V., Moral und Politik,. Grundlagen einer politischen Ethik für das 21. Jahrhundert, München: Beck, 1997, pg. 60 e ss.

[36] Cf. Schmitt A, Die Moderne und Platon,  Stuttgart. Weimar: J. B. Metzler, 2003, pg. 430 e ss.

[37] Cf. Villey M., Seize essais de philosophie du droit, Paris: Dalloz, 1969, pg. 71.

[38] Cf. MacIntyre A., Justiça de quem? Qual racionalidade, São Paulo: Loyola, 1991. Carvalho H. B. A. de, Alasdair MacIntyrre e o retorno às tradições morais da pesquisa racional, in: Oliveira M. A de (org.), Correntes  fundamentais da Ética contemporânea, Petrópolis: Vozes, seg. ed, 2001, pg. 31-64.

[39] Para Kersting esta crítica de Enzensberger ao universalismo “desemboca numa louvação do paroquialismo: não obstante todo o apoio aos direitos humanos da boca para fora „em seu íntimo toda pessoa sabe que precisa preocupar-se, em primeiro lugar, com seus filhos, seus vizinhos, seu entorno imediato. Até mesmo o cristianismo sempre falou do próximo, e não do distante””. Cf. Kersting W., op. Cit., pg.88.

[40] Cf. Schmitt C., Der Begriff des Politischen, Berlin: Duncker & Humblot, sex. Ed.,  1963, pg. 94.

[41] Cf.  Habermas J.,Die Einbeziehung des Anderen, op. Cit., pg  220 e ss.

[42] Sobretudo em: O Nascimento da Tragédia.

[43] Cf. Miranda de Almeida R., Nietzsche e Freud, eterno retorno e compulsão à repetição, São Paulo: Loyola, 2005, pg. 77.

[44] Que incluem: Humano demasiado humano I (1878), Miscelânia de opiniões e sentenças (1879) e O viandante e sua sombra (1880).

[45] Sobre as bases antropológicas da teoria de Nietzsche cf. Lima Vaz H. C. de, Antropologia Filosófica I, São Paulo: Loyola, 1991, pg. 133-134.

[46] Cf. Kersting W. , op. Cit., pg. 82.

[47] Cf. Kersting W., op. Cit., pg. 83: “O relativista assevera, portanto, não só que todo o sistema de convicções morais se desenvolveu historicamente e possui um destino cultural; ele afirma também que, em princípio, é impossível, dentro do sistema de convicções morais historicamente formado, encontrar-se uma área de regras, um segmento de normas que não mostrasse vestígios da história de seu surgimento”.

[48] Cf. Rorty R., Objectivity, Relativism and Truth, Philosophical Papers I, Cambridge Univ., 1991.

[49] Cf. Kersting W., op. Cit., pg. 84: “Se não há princípios morais de validade universal, que comprometem de igual maneira cada pessoa, independentemente de sua situação de vida, então é claro que também não se podem encontrar regras normativas para organizar a interação dessas diferentes esferas culturais”.

[50] Cf. Rorty R., The linguistic Turn. Recent Essays in Philosophical Method, University of Chicago Press, Phoenix  Edition, 1970.

[51] Cf. Rorty R, Der Spiegel der Natur, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1981,pg. 199 e s.

[52] Cf. Rorty R, Der Spiegel, op. cit., pg.191.

[53] Cuja posse por parte dos filósofos legitimou no passado a supremacia específica da filosofia na discussão das coisas humanas.Ora, não existindo este acesso, o pragmatismo vai atribuir à filosofia uma função mais humilde, ligada às tarefas cotidianas da vida, sem privilégio nem supremacia frente a outras formas de discussão, a serviço, portanto, de outras causas, as pequenas causas do dia-a-dia com uma tarefa ao mesmo tempo crítica e construtiva. O que numa cultura pós-filosófica, no sentido de um adeus a uma filosofia com motivos transcendentes, fundacionais, essencialistas, irá desaparecer é a casta dos profissionais em filosofia, ciosa de seus privilégios. Cf. Rorty R., Consequences, op. cit.

[54] Cf. Rorty R., Pragmatismo, op. cit., pg. 23. Kersting W., op. cit., pg.  85;”É ruim que a validade de nossa moral se extinga fora dos limites da esfera cultural que nos molda? Não basta partilharmos nossas convicções morais com as pessoas com as quais geralmente lidamos e, com todas as demais, nossa prudência?….. por que, afinal, a moral precisa aspirar ao universalismo das ciências naturais em termos de validade?”

[55] Cf.: MacIntyre A, After Virtue: a Study in moral theory, London, 1981. Walzer M., Spheres of Justice. A Defense of Pluralism and Equality, terc. ed., Oxford, 1989.Bell D., Communitarianism and its Critics, Oxford, 1993. Apel K-O, Das Anliegen des anglo-amerikanischen “Kommunitarismus” in der Sicht der Diskursethik, in: Brumlick M./Brunkhorst H., Gemeinschaft und Gerechtigkeit, Frankfurt am Main, 1993, pg.149-172. Kersting W., Liberalismus, Kommunitarismus, Republikanismus, in: Apel K-O/Kettner M.(orgs.), op. cit., pg. 127-148. Ramos C. A, A crítica comunitarista de Walzer à teoria da justiça de John Rawls, in: Felipe S.T.(org.)., Justiça como Eqüidade. Fundamentação e interlocuções polêmicas(Kant, Rawls, Habermas), Florianópolis, 1998, pg.231-243.

[56] Cf. Kersting W., op. Cit., pg. 87: “Temos aí, por um lado, os contritos e penitentes filhos e filhas do Ocidente que…. estigmatizam o universalismo relacionado aos direitos humanos como colonialismo moral, como a continuação do colonialismo com meios morais”.

[57] Cf. Kersting W., op. Cit., pg. 86.

[58] Trata-se de um desafio novo à reflexão filosófica. Cf. Dias M. Cl., op. cit., pg. 31: “Se, no entanto, a crença em Deus é suprimida e se a concepção de uma natureza humana não mais nos fornece uma lei universal, como podemos ainda defender princípios universais? Como podemos ainda falar de direitos naturais ou direitos humanos?”

[59] Cf. Oliveira M. A de, Pluralismo e ética, in: Ética e Práxis histórica, São Paulo: Ática, 1995, pg. 155-181.

[60] Cf. A respeito do que se segue: Puntel L. B., Grundlagen einer Theorie der Wahrheit, Berlin/ New York: de Gruyter, 1990, pg. 271 e ss.

[61] Cf.: Wandschneider D. , Grundzüge,  op. cit., pg.17.

[62] Neste sentido a lógica é universal, co-extensiva com a totalidade do ser, pois nada em princípio pode estar fora do horizonte do lógico.

[63] Vgl. Lopes dos Santos, L.H., A essência da proposição, a. a. O., 16.

[64]Vgl. Aristoteles, De Interpretatione, 4.17 a 1.

[65] Cf. Kripke S., Naming and Necessity, Cambridge (MA): Harvard University Press, 1980. Plaintinga A.., Essence and Essentialism, in: Kim J./ Sosa E. (org.), A Companion to Metaphysics, Oxford: Blackwell. 2002,  pg. 138-140.

[66] Cf. Lima Vaz H. C. de, Escritos de Filosofia V. Introdução à Ética Filosófica 2, São Paulo: Loyola, 2000, pg.  109: “Nessa sua presença no sujeito o bem irá torná-lo participante de sua bondade ontológica ou de sua perfeição como ser. A face do bem pela qual ele confere ao sujeito a sua perfeição e, como tal, é por ele desejado e apreciado (Et. Nic. I, 1, 1094 a 2) é designada modernamente com o termo valor”.

[67] Uma determinação estritamente ontológica do bem nos oferece Tomás de Aquino. Cf. Summa contra Gentiles I 30: “bonum uniuscuiusque est perfectio ipsius”; S. Th. I II q. 71 a. 1 c.: “in hoc enim consistit uniuscuiusque rei bonitas,  quod convenienter se habeat secundum modum suae naturae”.

[68] Cf. Puntel L. B., A Totalidade do Ser, o Absoluto e o tema “Deus”,in: Rev. port. de Filosofia,  60(2004)306-309. Lima Vaz H. C. de, Antropologia Filosófica I, op. cit., pg. 223: “…a universalidade do espírito é, no homem, uma universalidade intencional, o que denota a finitude do homem como ser entre os seres, ou como ser situado. No homem o espírito é formalmente idêntico ao ser universal, sendo capaz de pensá-lo. Mas é realmente distinto dos seres  na sua perfeição existencial”…..

[69] Cf. Puntel L. B., A Totalidade do Ser, op. Cit., pg. 307.

[70] Cf. Plantinga A, The nature of necessity, seg. ed., Oxford: Clarendon Press, 1982.

[71] Cf. Oliveira M. A. de, Subjetividade e Totalidade, in: Cirne-Lima C./ Helfer I./ Rohden L. (org.), Dialética, caos e complexidade, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, pg. 115 e ss.

[72] Cf. Puntel L. B., Der Wahrheitsbegriff in der Ethik und seine ontologische Dimension, München (mimeo), 2003, pg. 72 e ss.

[73] Cf. Oliveira M. A de,Filosofia  enquanto auto-reflexão da razão, in: Filosofia na crise da modernidade, terc. Ed., São Paulo: 2001, pg. 134-139; Desafios éticos da Globalização, op. Cit., pg. 148 e ss.

[74] Cf. Puntel L. B., op. cit., pg. 13.

[75] Para exprimir esta realidade a tradição empregou o conceito de “pessoa”. Cf. Herrero F. J., op. Cit., pg. 10.

[76] Cf. Puntel L. B., Der Wahrheitsbegriff in der Ethik, op. Cit., pg 78 e ss.

[77] Esta questão foi trabalhada por Locke não a partir de uma argumentação filosófica, mas a partir de uma referência a uma crença em Deus. Cf. a respeito Dias M. Cl., Os Direitos Sociais Básicos, op. Cit.,  pg. 27: “A  razão pode ajudar os homens a reconhecer a lei da natureza. Mas ela não pode fundamentar o caráter normativo do direito natural. Os homens devem, segundo Locke, respeitar-se reciprocamente de acordo com as características com as quais foram criados; e eles foram criados livres por Deus. O fato da  liberdade dos homens dever ser respeitada é, portanto, uma lei de Deus”. Cf. Oliveira M. A. de, Locke: a emergência do “indivíduo livre” no horizonte do Ético, in: Ética e Sociabilidade, op. Cit., pg. 110-129.

[78] Lima Vaz mostra que se trata aqui de um processo de universalização. Cf. Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, op cit., pg. 211-212: “É, pois, no terreno do logos como espaço de comunicação, como estrutura de interpretação e expressão, que a particularidade do indivíduo como zôon logikón é dialeticamente negada e ele se eleva à universalidade ou, como Aristóteles mostra agudamente, ao universal questionamento sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto”.

[79] Lima Vaz pensa esta problemática enquanto uma dialética entre a objetividade da ética e do direito, a particularidade das situações e a singularidade das consciências individuais. Cf. Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, op cit., pg. 209 e ss.

[80] Cf. A respeito desta problemática: Ladrière J., Les droits de l´homme et l´historicité, in: Vie sociale et destinée, Gembloux: Duculot, 1973, pg. 116-138.

[81] Cf. Müller M., Existenzphilosophie im geistigen Leben der Gegenwart, terc. Ed., Heidelberg: F. H. Herle Verlag, 1964, pg. 86.

[82] Cf. Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, op cit., pg. 213-214: “Ora, a razão da vida política é, exatamente, o Direito….. Nesse sentido, esse Direito pode ser dito um Direito humano ou, mais exatamente, humanizante, já que a universalização pelo Direito não é por definição uma propriedade “natural”do indivíduo particular, mas uma tarefa a ser cumprida historicamente pela sociedade política”

[83] Cf. Hösle V., Moral und Politik. Grundlagen einer politischen Ethik für das 21. Jahrhundert, München: Beck, 1997, pg.169 e ss. Oliveira M. A de, Ética e Economia, op. Cit., pg. 74-78.

[84] Cf. Oliveira M. A de, Subjetividade e Totalidade, op. Cit., pg. 85-130.

[85] Cf. Hösle V., Philosophie der ökologischen Krise. Moskauer Vorträge, München,1991. Boff L., Ética da Vida, Brasília, 1999; Ethik für eine Welt, Düsseldorf, 2000.

[86] Cf. Oliveira M. A de, Desafios éticos da Globalização _ A Intersubjetividade como estrutura ontológica suprema, in: Ullmann R.A (org.), Consecratio Mundi. Festschrift em Homenagem a Urbano Zilles, Porto Alegre, 1998, pg. 520-532.

[87] A respeito da bibliografia sobre o debate contemporâneo entre jusnaturalistas e positivistas jurídicos cf. Paradis G.,Philosophie des droits de l´homme, in: Bibliothèque de philosophie politique et juridique, Caen, 1992. Hoerster R., Zur Verteidigung des Rechtspositivismus, in: Neue jur. Wochenschrift 40 (1986)2480-2482. Ott W., Der Rechtspositivismus, seg. Ed., Berlin, 1992. Alexy R, Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg/München, 1992. Kaufmann M., Rechstsphilosophie, Freiburg/München: Alber, 1996, pg. 25-179.  Cf. também: Freitag B., Itinerários de Antígona. A questão da moralidade, Campinas: Papirus, 1992. Bignotto N., Teoria e racionalidade na Antígona de Sófocles, in: Síntese Nova Fase, v. 20, n. 63 (1993)731-744.

[88] Th. Kesselring distingue cinco estratégias de fundamentação dos direitos: 1)Tradição judaico-cristã; 2) Tradição jusnaturalista; 3)Fundamentação contratualista; 4)Fundamentação transcendental; 5)Idéia da Universabilidade. Cf. Kesselring Th., op. Cit., pg. 47-51.

[89] É a partir desta perspectiva ontológica que Lima Vaz articula o sentido do direito na vida humana. Cf. Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, in: Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, Toledo Cl./ Moreira (orgs.), São Paulo: Loyola, 2002, pg.  205-206: “… no domínio da Política no sentido estrito, como ciência normativa da práxis comunitária, o problema maior é o problema de uma razão do livre consenso (gen. subj.), ou de uma razão imanente à livre aceitação do existir e agir em comum e que demonstre na lei justa a realização plena, a enérgeia da práxis consensual. A razão imanente ao livre consenso e que se explicita em leis, regras, prescrições e sentenças é o que  se denomina propriamente Direito e que está para a comunidade como a razão reta (orthòs lógos) está para o indivíduo”.

[90] Natural aqui de nenhuma forma pode ser entendido com referência ao estado de natureza como foi pensado nas teorias políticas da modernidade (Cf. Dias M. Cl., op. Cit., pg. 20), mas tem a ver com a constituição ontológica do ser humano.

[91] Cf. Oliveira M. A de, Direito e Sociedade, in: Pinheiro J. E./ Sousa Júnior J. G. de/ Dinis M./  Arruda Sampaio P. de (org.) Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do judiciário, Petrópolis: Vozes, 1996, pg. 83: “…o direito é a configuração da liberdade ao nível da convivência das pessoas humanas entre si”. Cf. a respeito desta problemática no pensamento latino-americano: Oliveira M. A de, Menschenrechte aus der Sicht der lateinamerikanischen Philosophie und Theologie der Befreiung, in: Fornet-Betancourt/Sandkühler H. J. (eds.), Begründungen und Wirkungen, op. Cit.,  pg. 101-119.

[92] No mundo anglo-saxão contemporâneo há uma grande discussão a respeito dos direitos humanos e do sentido do direito enquanto tal que se concentrou, sobretudo, na disputa entre comunitaristas e libertários. Cf. a respeito :  Goyard -Fabre S.,La philosophie morale et politique: entre le contractualisme et l´utilitarisme, in : Meyer M., (org.), La philosophie anglo-saxonne, Paris, Presses Universitaires, 1994, sobretudo pg. 141 e ss. Para Sandkühler ambos concordam num ponto : na crítica do Estado, na exigência de limitação do Estado. Para ele, esta postura é perigosa e tanto comunitaristas como libertários ignoram que justamente a atual situação da globalização da economia individualista neoliberal vinculada a uma ideologia solipsista nos obriga a repensar a conexão entre liberdade, direito e Estado. Cf. Sandkhüler H. J., Rechtsstaat und Menschenrecht unter den Bedingungen des „ faktischen Pluralismus“,in: Fornet-Betancourt (ed.), Menschenrechte im Streit zwischen Kulturpluralismus und Universalität, Frankfurt am Main: IKO, 2000, pg. 74.

 

[93] Cf. Brieskorn N., Rechtsphilosophie, Stuttgart, 1990. Oliveira M. A de, Direito e Sociedade, op. cit. , pg. 83: “Abriu-se anteriormente o horizonte a partir de onde podemos pensar a significação do direito na vida humana: a dignidade incondicional do ser humano como ser livre: o ser humano tem fim em si mesmo e enquanto tal é portador de um sentido absoluto”.

[94] Cf. Kersting W., op. Cit., pg.  93-94: „Justamente nisso mostra-se o caráter insuperavelmente revolucionário da concepção de direito humano: no fato de erigir uma ordem normativa de pura interpersonalidade que tem prioridade sobre todas as ordens jurídicas estatais, todos os círculos culturais históricos e todas as interpretações morais, religiosas ou metafísicas do ser-humano e da conduta humana; tal ordem normativa possui um caráter obrigatório incondicional para todas as formações sociais  históricas e auto-interpretações culturais”

[95] E assim constituem a sociedade política enquanto tal. Cf. Lima Vaz H. C. d, Ética e Direito, op. Cit., pg. 207: “É, pois, em torno do homem como sujeito de direitos que a sociedade política se organiza e que se legitimam as forças que a regem e mantêm”.

[96] Cf. Höffe O, Demokratie im Zeitalter der Globalisierung, München: Beck, 1999, pg. 63. A respeito de uma outra tentativa de pensar  a fundamentação do direito a partir de uma reformulação pragmática da filosofia de Kant cf. Habermas J., Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtstaats, quart. Ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. Moreira L.,Fundamentação do Direito em Habermas, Belo Horizonte: Mandamentos/ Fort-Livros, 1999. Araújo L. B. L., Moral, direito e política _ Sobre a Teoria do Discurso de Habermas, in: Oliveira M./ Aguiar A. O./ Andraded e Silva Sahd L. F. N. de (orgs)., op. Cit.,pg.214-235. Dias M. Cl., op. Cit., pg. 49-68. Oliveira M. A de.,Moral, direito e democracia: o debate Apel versus Habermas no contexto de uma concepção procedimental da filosofia prática, in: Moreira L.(org.), Com Habermas contra Habermas. Direito, Discurso e Democracia, São Paulo: Landy editora, 2004, pg. 145-176.

[97] Cf. Kersting W., op. Cit., pg.  94.

[98] A respeito desta problemática num mundo  globalizado cf. Hoffmann J., Menschenrechte in derzeitigen ökonomischen und monetären Strukturen,in: Fornet-Betancourt R. (org.), op. Cit., pg. 151-167. Papisca A., Linhas para uma Nova Ordem Política Mundial, in: Lyra R. P. (org.), Direitos Humanos, op. Cit., pg. 25-36.

[99] A respeito da idéia de “direitos coletivos” cf. Kesselring Th., op. Cit., pg. 55-56.

[100] Neste sentido, o sistema do direito tem, segundo E. Dussel, dentro do sistema político, a função específica de ser a referência formal ou a institucionalização de deveres e direitos, que todos os membros da comunidade política, enquanto livres, têm que cumprir. A constituição é então a institucionalização dos direitos fundamentais e através disto a base do direito positivo em todas as suas esferas. Cf: Dussel E. Derechos humanos y ética de la liberación, (Pretensión política de justicia y lucha por el reconocimiento de los nuevos derechos), in: Fornet-Betancourt R. (org.), Menschenrechte im Streit, op. Cit., pg.110.

[101] Dussel nomeia alguns destes direitos de que nos tornamos conscientes na atual situação do mundo: direitos da natureza, da mulher, dos homosexuais, das raças não brancas, dos marginalizados, dos excluídos, dos países e povos da periferia deste mundo, dos migrantes, das vítimas da globalização. A partir desta consciência, pode-se entender a tensão que existe entre o sistema de direito positivo e aqueles que, dentro deste sistema, não têm direito (Los “sin-derechos”). Cf: Dussel, E., op. cit., pg. 11.

[102] Para Lima Vaz aqui se situa um dos paradoxos típicos de nossa época que está intimamente ligado à crise atual da concepção de homem. Cf. Lima Vaz H. C. d, Ética e Direito, op. Cit., pg. 237: “Reside aí a raiz provável do paradoxo de uma sociedade obsessivamente preocupada em definir e proclamar uma lista crescente de direitos humanos e impotente para fazer descer do plano de um formalismo abstrato e inoperante esses diretos e levá-los a uma efetivação concreta nas instituições e práticas sociais”

[103] A respeito do papel que pode caber a outras entidades além dos estados neste processo Cf. Kesselring Th., op. Cit., pg. 56-57.

[104] Cf. Kersting W., op. Cit., pg. 94: …. ”a proteção dos direitos humanos baseia-se na simples evidência da vulnerabilidade humana e na preferencialidade, não menos evidente, de um estado de ausência de assassinato e homicídio, dor e violência, tortura, miséria e fome, opressão e exploração”.

[105] Cf. Lima Vaz H. C. de, Ética e Direito, org. por Toledo Cl./ Moreira L.,  São Paulo: Loyola/ Landy, 2002, pg. 207: “É, pois,  em torno do homem como sujeito de direitos que a sociedade política se organiza e que se legitimam as forças que a regem e mantêm. O homem…é sujeito de direitos ou sujeito da liberdade realizada”….A respeito da fundamentação do direito a partir da categoria “cooperação” cf. Kesselring Th.,Licht und Schatten im europäischen Menschenrechts-Konzept, in: Fornet-Betancourt (org.), Menschenrechte im Streit, op. Cit., pg. 49. E da categoria de “ troca transcendental” cf. Höffe O, Demokratie, op.cit., pg. 62 e ss.

 

[106] Aqui está o horizonte em que se situa o pensamento político moderno. Cf. Lima Vaz H. C. de, op. Cit., pg. 176: “Ora, a redução dos problemas da sociedade às contradições da sociedade civil.…na qual a primazia é dada  ao indivíduo particular e à satisfação das suas necessidades psicobiológicas subordinadas à dialética do desejo, bloqueia sem remédio o movimento dialético constitutivo do ser ético e político do homem e através do qual ele se eleva de sua particularidade à singularidade concreta ou à universalidade de sujeito da virtude e da lei”.

[107] Cf. Hegel G. W. F, Grundlinien der Philosophie des Rechts, qua. Ed, Hamburg Felix Meiner Verlag, 1955, & 24-& 32; & 209.

[108] Por esta razão se está falando hoje de “cidadania universal. Cf. Vila N., Interdependencia-indivisibilidad de los derechos fundamentales, in: Alvarez L. / Vidal M. (org.), La justicia social, Madrid, 1993, pg. 303-328.

[109] A respeito da dialética entre universalidade, particularidade e singularidade aqui implicada cf. Lima Vaz H. C. de, Moral, Sociedade e Nação, in: RBF, n.53 (1964)1-30.

[110] É claro que sendo os recursos limitados se põe inevitavelmente a pergunta pela hierarquia das prioridades. Cf. Kesselring Th., op. Cit. pg 52. Oliveira L., Os Direitos Sociais e Econômicos como Direitos Humanos: problemas de efetivação,in: Lyra R. P. (org.), Direitos Humanos, op. Cit., pg. 155-163.

[111] Cf. Kersting W., op. Cit. pg. 99.

[112] Cf. Bachmann S, Menschrechte als Herausforderung an die Politik, in: Fornet-Betancourt (org.), Menschenrechte im Streit, op. Cit., pg. 119-1127.

[113] Cf. Kersting W., op. Cit. pg. 95.

[114] Cf. Costa Neves P. S. da/ Rique C. D. G./ Freitas F. D. B. (orgs.), Polícia e democracia: desafios à educação em direitos humanos, Recife: Gajop/ Bagaço, 2002.