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Doutrina Social da Igreja e Teologia da Libertação

Doutrina Social da Igreja e Teologia

da Libertação: convergências e divergências

 

Ao ser feita a pergunta sobre os pontos de convergência e divergência entre a Doutrina Social da Igreja e a Teologia da Libertação é feita simultaneamente a pergunta sobre quais relações são possíveis e desejáveis entre essas duas expressões da solicitude social da Igreja. Conforme foi assinalado na introdução deste estudo, Teologia da Libertação Doutrina Social da Igreja não se encontram no mesmo nível epistemológico: enquanto a primeira pertence ao campo do saber teológico, a segunda é parte do Magistério supremo da Igreja. A pergunta sobre as articulações possíveis entre estes dois saberes remete, portanto, à questão mais geral, da articulação entre Magistério e teologia, que era tratada a seguir.

 

  1. teologia da libertação e doutrina social da igraja

 

Existem na teologia e no Magistério eclesial dois grandes paradigmas a partir dos quais se pensa a relação teologia-Magistério, sendo o primeiro aquele no qual a teologia é compreendida como mero acessório auxiliar do Magistério. O ponto de partida de qualquer elaboração teológica, segundo esse paradigma, devem ser as declarações magisteriais, e o papel da teologia é compreendido antes de tudo como de legitimar e justificar as teses do magistério com o recurso á Escritura e á Tradição¹. Uma das conseqüências do método empregado nesse paradigma é o de dissolver a distinção entre Magistério infalível e Magistério reformável, pois nenhuma distância crítica do teólogo ante qualquer proposição magisterial é possível². Praticamente toda teologia tende a transformar-se em apologética ou então em simples ação de divulgação em alto nível do pensamento magisterial entre os fiéis. Tal paradigma entra em crise principalmente a partir do Concílio Vaticano II, embora hoje ainda se faça presentes os amplos setores eclesiais.³Um segundo paradigma ainda pode ser descrito como aquele para o qual as formulações magisteriais não constituem propriamente, no método teológico, o ponto de partida da teologia. Este é dado pela Escritura, entrando as formulações magisteriais como parte da Tradição na qual e através da qual é transmitida de forma viva a Escritura. A relação entre teologia e dogma é pensada neste paradigma de tal modo que cabe à teologia a função de compreensão-interpretação do dogma em chave crítica, metódica e sistemática4.

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  1. Cf. J. Castillo, La teologia despúes Del Vaticano II, em C. Floristán (org), El Vativano II, venite años despúes, Madrid, 1985, p.137-172; nas pp.165-171 ou autor ressalta as linhas de forças das teologias pós-conciliares, referindo-se a este paradigma aqui tratado. Para uma ótima descrição do modo como era ensinada e vivido este paradigma pouco antes do Concílio Vaticano II veja-se o testemunho de G. Martina em G. Martina, Il tcontesto storico in cui è nata l´idea di um nuovo concilio ecumênico, em R. Latourelle (org.), Vaticano II Bilancio e Prospettive venticinque anni dopo, Assis, 1987. Para uma descrição manualítica deste paradigma veja-se F. Vizmanos e I. Ruidor, Teologia Fundamental para seglares, Madrid, 1963, especialmente p.16-17, nas quais os autores enumeram oito principais atividades do “concurso prestado pelo entendimento” à fé, tendo em vista a estruturação da teologia recaindo inteiramente dentro do paradigma descrito.
  2. Veja-se aqui o pensamento de Pio XII a respeito da relação magistério-teologia, principalmente na Encíclica “Humani generis” (1950) e na alocução “Si Diligis”, de 31 de maio de 1945. tal pensamento foi em parte posteriormente reformado pelo Concílio Vaticano II (cf. a análise de F. Sullivan, Il Magistero nella Chiesa Cattolica, Assis, 1986, p.176-179). Entre os escritos teológicos pós-conciliares a respeito da relação magistério-teologia em exemplo deste paradigma e do conseqüente anulamento prático da distinção entre Magistério infalível e reformável pode ser encontrada em J. Ford e G. Grisez, Contraception na the Infallibility of the Ordinary Magisterium, em Theological Studies 39 (1978):258-312. Uma crítica a esta posição se acha em F. Sullivan, op.cit. p.163-168.
  3. Este paradigma encontra-se presente, por exemplo, na carta enviada pó P. Dezza (delegado papal nomeado em 5/10/88 com o encargo de governar a ordem dos jesuítas até a eleição de novo Geral) a todos jesuítas em data de 25/3/82 e que tratava, entre outros pontos das características que deveria ter a produção teológica jesuítica. As fortes críticas de K. Rahner feitas a este documento ajudam a entender este paradigm e a perceber sues valores e limites. Cf. K. Rahner, Sulla situazione dell´Ordine dei Gesuit dopo lê difficoltá col Vaticano, e, Nuovi Saggi IX, 14983, p.497-521, especialmente p.505-516.
  4. Cf. J. Alfaro, La Teologia de fronte al MAgistero, em R. Latourelle e G. O´Collins (org.), Problemi e porspettive di Teologia Fundamentale, Brescia, 1980, p. 413-432 especialmente p.425-432. veja-se também L. Ladaria, Che cose um dogma? Il problema del dogma nella Teologia attuale, em K. Neufeld (org.) Problemi e prospettive di Teologia Dogmatica, Brescia, 1983, p.97-119; M. Flick e Z. Alszeghy, Lo sviluppo del dogma cattolico, Brescia,

Para tanto, o dogma, conforme propõe J. Alfaro a partir deste paradigma, deve ser estudado pela teologia em modo retrospectivo (procura do sentido e da delimitação do dogma a partir de sua pré-história), introspectivo (inserção do dogma da hierarquia das verdades reveladas tendo em vista a salvação dos homens) e prospectivo (compreensão sempre renovada de seu conteúdo de modo que esse possa ser vital e constantemente pela fé e práxis cristã em um dado momento e numa dada cultura)5.O dogma aqui é compreendido não como um dado estático, mas como realidade dinâmica, ponto de chegada e partida. A teologia é concebida como uma colaboração particular ao conhecimento mais profundo da Revelação, prestando à comunidade eclesial, junto com o Magistério, um comum serviço à verdade, embora o faça de modo diverso, tendo com o Magistério uma relação de subordinação, já que a esse caba de modo particular, em virtude do sacramento da ordem recebido, o múnus de discernir e ensinar a fé e os costumes6. Tal relação de subordinação e colaboração deve ser compreendida de tal modo que, conforme afirmou Paulo VI, “O Magistério sem a ajuda da teologia poderia sem dúvida conservar e ensinar a fé, mas dificilmente atingiria aquela competência e profundidade de conhecimento de que te necessidade para realizar plenamente a sua tarefa” 7.

Basicamente são os dois paradigmas acima descritos que com suas múltiplas variantes estão na fonte de todas as teologias atuais. A escolha de um outro paradigma determina fundamentalmente o tipo de teologia que se produz e normalmente as teologias produzidas segundo um ou outro paradigma colocam-se um mútua tensão. Tal tensão se torna mais grave quando assumida por certos setores que algumas vezes, a partir do primeiro paradigma, encontram dificuldades em aceitar teologias elaboradas a partir do segundo paradigma por considerá-las desvios da verdadeira missão da teologia no interior da Igreja.

A relação entre Teologia da Libertação e Doutrina Social da Igreja pode ser melhor compreendida a partir destes dois paradigma, ressaltando-se o fato de que até o momento não se encontram nessa expressão do Magistério da Igreja ensinamentos dogmáticos. Caso se tornasse o primeiro paradigma como modelo, o único modo legítimo de existir de uma Teologia da Libertação enquanto Teologia do Político, seria o de um comentário aplicado da Doutrina Social da Igreja a uma realidade particular. Uma vez que a Teologia da Libertação nasce, como grande parte da teologia contemporânea, a partir do segundo paradigma, cria-se aí inevitavelmente uma tensão8. Por outro lado, é verdade que nem sempre respeitou-se a contento mesmo o segundo paradigma, acontecendo algumas vezes uma extrapolação, traduzida em certa marginalização da Doutrina Social da Igreja por parte da Teologia da Libertação, o que de modo justo provocou reações.

Para que se possa aprofundar a compreensão da relação entre Doutrina Social da

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1967; W. Kasper, Il dogma sotto la parola di Dio, Brescia, 1968 (especialmente p. 114-126); B. Lonergan, Il pluralismo dottrnale, Catania, 1977; K. Rahner, Magistero e Teologia dopo il Concilio, Brescia, 1967; M. Michel (org.) La théologie à l´èpreuve de la vérité, Paris, 1984.

  1. Cf. Alfaro, op. Cit., p. 426-430. Veja-se aqui CA 3, onde João Paulo II propões “uma “releitura” da encíclica leonina e “a partir de um método que consiste em “olhar para trás, “olhar ao redor” e olhar para o futuro”.
  2. Cf. Comissão Teológica Internacional, Magistero e Teologia, e, Il Regno 15 (1976):347-355, principalmente teses 1-8. também F. Sullivan, op. cit., p.209-238. A recente “Instrução Sobre a Vocação do Teólogo” (ISVT) publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé, que de certo modo, reprepõe as teses do documento da Comissão Teológica Internacional encontra-se também dentro deste segundo paradigma. Vejam-se principalmente os parágrafos 6,21 e 40.
  3. Alocução pronunciada por Paulo VI para os participantes do Congresso Internacional de Teologia Conciliar (1ºde outubro de 1966), tendo por título “Meraviglioso vincolo ed armonia trai l Magistero della Chiesa, la Teologia e la comunitá cristiana”. Insegnament di Paolo VI, IV, Vaticano, 1966, p. 441-456, p.453. Citado por F. Sullivan, op. cit., p. 217.
  4. Vejam-se aqui alguns artigos que partindo do primeiro paradigma apresentam fortes críticas à Teologia da Libertação no que se refere à sua articulação com a Doutrina Social da Igreja: R. Vekemans, Presupuestos epistemológicos de la Doctrina Social de la Iglesia, em Tierra Nueva 24(1978):52-74; J. Hoeffner, ¿Doctrina Social de la Iglesia, o Teologia de la Liberacíon, em Tierra Nueva 57 (1986):5-29; R. Herr, Teologia de la Liberacíon y Doctrina Social de la Iglesia, em Tierra Nueva 57 (1986):30-42; M. Spieber, La defensa de la Doctrina Social de la Iglesia ante la Teologia de la Liberacíon, em Tierra Nueva 54 (1985):38-52.

 

Igreja e Teologia do Político a partir do segundo paradigma é necessário que se tenha presente, porém, que, conforme já foi assinalado, além da Doutrina Social da Igreja não fazer afirmações dogmáticas em sentido estrito, em seus ensinamentos são encontrados tanto um núcleo mais estável de proposições de fundo, quanto juízo mais circunstancias9. A aplicação do segundo paradigma à relação entre Doutrina Social da Igreja e Teologia da Libertação deve ser feita então não tomando a totalidade da Doutrina Social a Igreja indistintamente, mas dando-se especial ênfase ao modo constante desse tipo de ensinamento magisterial10.

Aplicando-se o segundo paradigma à relação entre Doutrina Social da Igreja e Teologia da Libertação, tem-se que a Doutrina Social da Igreja, com especial atenção ao seu “núcleo imutável”, deves ser tomada com parte da Tradição na qual e através da qual é recebido vivo o Evangelho, em chave social, devendo, entretanto, permanecer a Sagrada Escritura o ponto de partida legítimo e fundamental dessa Teologia, sem que isto implique desprezo pela Doutrina Social da Igreja. Seguindo este paradigma, a Teologia da Libertação deve não apenas repetir a Doutrina Social da Igreja, mas contribuir para a sua compreensão-interpreteção em chave crítica, metódica e sistemática, a fim de que as verdades reveladas pelas Escrituras e na Tradição sejam vitais e constantemente assimiladas pela fé e pela práxis em sua incidência social11. À diferença da relação dogma-teologia, aqui o espaço permitido ao momento crítico é qualitativa e quantitativamente diverso devendo ser este momento uma contribuição especial ao aprofundamento da verdade, preservando-se sempre o legítimo obséquio da fé e intelecto devidos ao Magistério.

É na perspectiva desse segundo paradigma que se coloca nesse estudo a questão sobre os pontos de convergência e divergência entre Doutrina Social da Igreja e a Teologia da Libertação acerca dos sistemas socialista e capitalista.Trata-se de, após ter sido analisado o desenvolvimento dessa temática, tanto na Teologia da Libertação como na Doutrina Social da Igreja confrontar alguns pontos mais significativos para que se possa  compreender melhor tanto as passiveis interfecundações quanto as dificuldades de diálogo, na perspectiva de se buscar um comum serviço à verdade.

 

  1. O capitalismo na Teologia da Libertação e na Doutrina Social da Igreja: convergências e divergências

 

O ponto fundamental de convergência entre a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja a respeito do capitalismo liberal, que pode ser observado a partir da análise feita nos capítulos precedentes, encontra-se na caracterização desse sistema como sistema de opressão e exploração, que atenta contra a solidariedade humana e é gerador de conflito.

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  1. João Paulo II na encíclica Sollicitudo rei socialis afirma que além da Doutrina Social da Igreja apresentar em seus cem anos um nítido desenvolvimento tanto em seus aspectos metodológicos quanto doutrinais, contém também em ensinamento “constante”. Este refere-se antes de tudo, para o Pontífice, a uma mesma inspiração sempre presente nos “princípios de reflexão”, “critérios de juízo” e “ diretrizes de ação”, assim como a sua vital ligação com o Evangelho. Por sua vez, o documento da Congregação para a Educação Católica “Orientações para o estudo e para o ensinamento da Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal” enumera entre os princípios permanentes que podem ser nela encontrados, os seguintes: a) dignidade da pessoa humana; b) os direitos humanos; c) relação pessoa-sociedade onde a sociedade é vista como existindo apenas nos homens socialmente unidos e a serviços destes; d) o bem comum; e) a solidariedade e a subsidiariedade como princípios reguladores da vida social; f)concepção da vida social como orgânica; g) direito-dever de participação responsável na vida social; h) direito à liberdade; i) destinação universal dos bens da terra. Os valores permanentes que nesta se encontram são, segundo o documento: a verdade, a liberdade, a justiça, a solidariedade, a paz e a caridade ou amor cristão. O fato de tais princípios e valores poderem ser tidos como permanentes dentro da Doutrina Social da Igreja. Para um resumo a apreciação deste documento da Congregação para a Educação Católica veja-se: G. Caprile, L´insegnamento della Dottrina Sociale della Chiesa em Civilitá Cattolica 3(1989): 280-284.
  2. A respeito do assentimento devido pelo teólogo ao Magistério mesmo ordinário e reformável veja-se ISVT 23-31. Não se quer aqui afirmar que não se deva dar a devida atenção à Doutrina Social da Igreja em seu conjunto, mas que, ao aplicar o segundo paradigma a ela, deve-se diferenciar os tipos de ensinamentos nela contidos, oferecendo legítimo destaque a seu núcleo imutável.
  3. Cf. K. Rahner, La Chiesa e la sua funzione di critica allá societá, em Nuovi Saggi IV, Roma, 1973, p. 713-743, especialmente p. 722ss; idem, Sulla Teologia della Rivoluzione, em Nuovi Saggi V, Roma, 1975, p.51-93, especialmente p. 87-93.

Há, nesse sentido, uma forte afinidade, que nem sempre foi notada, na descrição que a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja fazem da pobreza gerada pela exploração capitalista. Conforme foi visto no desenvolvimento deste estudo, tanto para a Teologia da Libertação como para a Doutrina Social da Igreja, o capitalismo liberal produz a riqueza de uns poucos à custa a geração da miséria de muitos, através de mecanismos de opressão e exploração, dividindo a sociedade em duas classes fundamentais, movidas por interesses contrários e conflitivos.

Se há uma forte convergência quanto à descrição das injustiças capitalistas, tendo inclusive a Doutrina Social da Igreja assumido o conceito de “estruturas de pecado”, aplicando-o às estruturas econômico-socias que produzem a opressão e exploração12 , deve-se observar que as divergências surgem ao se procurar identificar, na Teologia da Libertação e na Doutrina Social da Igreja, as causas que permitem a este sistema ser fonte de exploração e opressão.Enquanto a Teologia da Libertação aceita a interpretação sociológico-econômica que identifica esta causa no fato da produção dos bens possuídos de modo privado e do trabalho assalariado, a Doutrina Social da Igreja aceita apenas identificar essa causa no modo absoluto como é compreendida a propriedade nesse sistema e na transformação que neste se dá do trabalho assalariado em simples mercadoria. Trata-se, para a Doutrina Social da Igreja, de um problema que se encontra não na propriedade privada dos meios de produção dos bens materiais em si, mas no abuso do direito de propriedade desses meios.

Essa divergência tornou-se mais acentuada recentemente com a publicação da encíclica Centesimus annus. Segundo a interpretação da Teologia da Libertação, capitalismo liberal e neocapitalismo são apenas a face periférica e central do único e mesmo capitalismo mundial: enquanto o capitalismo liberal, subordinado ao neo-capitalismo,continua a produzir pobreza local, o neocapitalismo alimenta-se da pobreza que produz no Terceiro Mundo. Já esta encíclica de João Paulo II distingue tão claramente o capitalismo liberal do neocapitalismo, que chega a sugeri que se deva reservar o nome “capitalismo” ao capitalismo liberal, chamando o neocapitalismo de “economia livre” ou “economia de empresa” para evitar preconceitos e confusões13. Naturalmente isto só é possível a partir das deferentes interpretações que têm a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja sobre o que constitui a essência do capitalismo e o torna um sistema explorador e opressor (propriedade privada dos meios de produção, trabalho assalariado, lucro e mais-valia como motor da economia, ou abuso da propriedade que permite transformar o trabalho assalariado em simples mercadoria).

 

  1. O Socialismo na Teologia da Libertação e na Doutrina Social da Igreja: Convergências e Divergências

 

Quanto ao socialismo, pode ser observado um ponto de convergência no que se refere às críticas ao Socialismo Real, presentes tanto na Doutrina Social da Igreja, como na Teologia da Libertação, principalmente quanto à falta de liberdade, sobretudo religiosa, e quanto ao burocratismo estatal que tolhe a criatividade.

Assim como no capitalismo, a divergência se faz presente aqui ao analisar as causas que tornam totalitário o socialismo.

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  1. Deve-se notar que, embora este conceito seja anterior à Teologia da Libertação, foi através de a que se difundiu no interior da Igreja, tendo suscitado não poucas reações contrárias.
  2. Veja-se supra p.87.

Enquanto para a Teologia da Libertação isto se deve à falta de mecanismo estruturais de participação popular nas decisões políticas e econômicas, para a Doutrina Social da Igreja a cauda do totalitarismo é atribuída à abolição da propriedade dos meios de produção dos bens matérias e ao ateísmo.

Quanto ao socialismo, as divergências entre a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja também parecem ter aumentado após a proclamação da encíclica Centesimus annus. A Teologia da Libertação nunca identificou o socialismo de modo exclusivo com “a solução marxista” e menos ainda esta com o Socialismo Real. O que se encontra na Teologia da Libertação é, em função da análise sociológico-econômica por ela aceita, a idéia de que a superação do capitalismo só pode se dar pela superação do modo de produção baseado dominantemente na propriedade dos meios de produção e no trabalho assalariado, ou seja, através de mecanismos de participação eficazes e da construção de estruturas democráticas de participação que permitam o controle popular dos meios de produção socializados.Enquanto na Laboren exercens João Paulo II chegava a admitir o valor positivo, em alguns acaso, de uma socialização dos meios de produção desde que se respeitasse ao que chama de “subjetividade da sociedade”, permitindo, portanto, que se distingam vários tipos de socialismo e possibilidades, inclusive positivas, deste sistema, idéia esta que encontra convergência na Teologia da Libertação, na Centesimus annus parece identificar socialismo com “solução marxista” e esta apenas com o Socialismo Real e com totalitarismo, ateísmo e fracasso econômico.

 

4, Perspectiva de Diálogo

 

A questão central que deve ocupar o diálogo entre Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja nos próximos anos parece ser a da possibilidade, ou não, à luz da antropologia cristã, de se construir, por meio de um movimento participativo de libertação dos empobrecidos do Terceiro Mundo, um socialismo democrático que, a partir da superação da propriedade privada dos meios de produção e do trabalho assalariado capitalista, produza bem-estar re progresso para todos, sem destruir as liberdades civis e pessoas, mas que, ao invés, es amplie.

Dentro da questão mais abrangente das possibilidades de construção de um socialismo democrático, emergem atualmente duas interrogações. A primeira é relativa ao lugar que a propriedade privada dos meios de produção deve ter no interior de uma economia socialista para que se salvaguarde a liberdade. O diálogo entorne desse ponto entre a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja deve pôr também em debate o significado do conceito de poder dizer também de direito natural. Até que ponto não se pode dizer também de direito natural uma socialização dos meios de produção que, mantendo a subjetividade da sociedade, garante melhor a destinação universal dos bens, e o seu uso conforme a finalidade para a qual foram criados?

A segunda interrogação é relativa ao lugar e à importância do mercado, trata-se se um tema relativamente novo, seja para a Doutrina Social da Igreja, seja para a Teologia da Libertação, e extremante atual e urgente. Como combinar mercado e justiça? Qual a relação entre liberdade e mercado? É possível construir estruturas de controle do mercado salvaguardando simultaneamente a liberdade e a justiça? Como se pode combinar socialismo e mercado? As ponderações contidas na Centesimus annus a esse respeito parem indicar a necessidade de que se aprofunde o diálogo entre a Teologia da Libertação e a Doutrina Social da Igreja em torno deste ponto central no debate hodierno sobre o socialismo.

Por fim, uma última observação: as questões levantadas durante este estudo, em particular neste último tópico, são indagações vitais, que não nascem na academia, mas das diversas experiências de opressão e do esforço de libertação dos pobres. São questões cujas respostas interessam e são buscadas não só pelos cristãos, mas por todos os que sentem hoje incomodados com a injustiça e a opressão, a fome e a dor, seja por a experimentarem sem mesmos ou por compaixão e solidariedade fraterna. Está em causa a esperança dos empobrecidos e humildes deste mundo, e por isso o diálogo e a busca de novos caminhos se fazem urgentes.