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Os eventos eclesiais e políticos recentes acenam para uma possível mudança estrutural na Igreja?

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Os eventos eclesiais e políticos recentes acenam para uma possível mudança estrutural na Igreja?

Uma comparação entre as Igrejas da Alemanha e do Brasil

Sérgio Ricardo Coutinho

Quando observamos um sistema, seja ele econômico, social e até mesmo eclesiástico, muitas vezes é útil distinguirmos aí as características permanentes do sistema (suas estruturas) e as características variáveis (aquelas conjunturais). Ao incorporar as características permanentes na análise, estamos observando que sua estabilidade leva-nos a considerá-las enquanto condições fundamentais de controle e limite para as possíveis mudanças neste mesmo sistema.

No entanto, precisamos estar atentos aqueles eventos, muitas vezes silenciosos, sem fazer muito estardalhaço, que podem estar minando diretamente determinadas estruturas.

Neste sentido, temos assistido alguns fatos ocorridos recentemente na Igreja da Alemanha que podem ser sinais para possíveis mudanças estruturais. Por outro lado, também estamos acompanhando outros eventos diretamente relacionados ao papel público da Igreja no Brasil. Mas nos perguntamos se poderíamos estabelecer alguma correlação com os fatos que estão acontecendo na Igreja da Alemanha.

Na Alemanha dois eventos sinalizam para movimentos sísmicos em andamento naquela superfície: os casos de pedofilia e o recente Manifesto dos teólogos de língua alemã.

O Manifesto chama a atenção para uma possível “crise de legitimidade da Igreja”, ou seja, estamos assistindo um questionamento firme sobre o marco institucional da Igreja. Em outras palavras, o questionamento do marco institucional estaria assim formulado: o ordenamento político-religioso proposto pela Igreja, hoje, é digno de ser reconhecido, ou seja, é legítimo?

O questionamento de seu marco institucional ameaça sua própria identidade e faz surgir então o fenômeno da “crise”. De certa forma, para nós cristãos, toda crise é vista como oportunidade, como momento de aprendizagem. Por isso, os teólogos(as) de língua alemã chama a atenção para a necessidade de um debate amplo.

Concordando com J. Habermas, as mudanças sociais só são possíveis se uma determinada sociedade aprende, não só no nível do saber técnico das forças produtivas, mas também na dimensão normativo-social quando busca solucionar problemas estruturais, dando origem a um novo princípio de organização.

Como bem diz o manifesto: “Não se conseguirá promover a renovação das estruturas eclesiais num angustiado isolamento da sociedade, mas somente com a coragem da auto-crítica e com a acolhida de impulsos críticos – também do exterior”.

De forma sucinta, o Manifesto traz os seguintes problemas a serem debatidos para a construção de um novo consenso:

  • Estruturas de participação: “o que diz respeito a todos, deve ser decidido por todos”;
  • Comunidades: “paróquias extra-amplas nas quais quase não se podem ser vivenciadas a vizinhança e a pertença;
  • Cultura do direito: “criação de uma jurisdição administrativa eclesial” (Tribunal de Justiça Eclesial);
  • Liberdade de consciência: “que não se excluam as pessoas que vivem responsavelmente o amor, a fidelidade e o cuidado recíproco”;
  • Reconciliação: “que se leve a sério o pecado no próprio interior”.
  • Celebração: “não deve enrijecer-se num tradicionalismo”.

Verificando os eventos recentes em relação à Igreja no Brasil, teríamos em dois âmbitos: nos externos estão a preocupação com o conteúdo PNDH-3 e a reação de muitos bispos durante a 48ª Assembléia Geral da CNBB em 2010 e a atuação pública de um conjunto de bispos, padres e leigos(as) durante as últimas eleições Presidenciais, particularmente em função da Nota emitida pelos bispos do Regional Sul 1 que recomendava não votar em partidos/candidatos que apoiassem o aborto.

Podemos dizer que diante da posição que a Igreja assumiu (leia-se alguns bispos e padres) neste ano de 2010 se caracterizou uma “crise de legitimidade da CNBB” diante da sociedade?

Sabemos bem que a CNBB construiu seu marco institucional na luta firme pelos Direitos Humanos e pela volta das instituições democráticas nos anos de 1960, 1970 e 1980. Este marco institucional se encarnou em sua opção ética, política e evangélica pelos pobres e nas ações das Pastorais Sociais.

O que percebemos foi que para muitos a Igreja assumiu, de fato, uma posição “profética” tendo um impacto positivo em setores “conservadores” da sociedade. Poderíamos a te pensar que estes setores também vem da chamada “nova classe média”.

Por outro lado, muitos leigos e leigas e até parceiros de longa data da Igreja nas lutas pelos Direitos Humanos ficaram preocupados e perplexos com a posição da Igreja, leia-se CNBB.

Em todo este processo não podemos perder de vista, e que chamou-nos muita atenção o papel desempenhado pelo nosso “Partido do Chá”: Os grupos Pró-Vida. Precisamos conhecer melhor sua atuação política e seus lobbys.

Os eventos internos foram as Visitas Ad limina e as nomeações de bispos brasileiros para dicastérios da Cúria romana e a nomeação do Novo Primaz do Brasil, arcebispo de Salvador.

Ao analisar o conteúdo dos discursos do papa Bento XVI aos bispos brasileiros e do perfil dos nomeados, se levanta a seguinte hipótese: há um movimento, ainda mais forte que no passado, para a construção de “outro” marco institucional da Igreja no Brasil, “outra” legitimidade para a CNBB.

Este “marco institucional” poderia chamar de “restauração-concentração católica” ou de Nova Evangelização. Este projeto, nascido com o papa João Paulo II, apela para uma mobilização católica, única capaz de servir de alavanca a uma regeneração global do mundo moderno.

Para este projeto o papa conta com a atuação decidida de uma personagem ainda muito pouco estudada para a compreensão do sistema eclesiástico: o Núncio Apostólico.

No Brasil, sua atuação tem sido marcado por intervenções diretas nos governos de muitas Igrejas locais, sem contar na própria CNBB. O ar de subserviência de muitos bispos diante do Núncio chega a ser chocante.

Em um encontro com os Núncios Apostólicos do mundo inteiro, o papa Bento XVI chamou a atenção para três atitudes fundamentais para a boa atuação diplomática de seus embaixadores:

  • cultivar uma plena adesão interior à pessoa do Papa, ao seu Magistério e ao Ministério universal;
  • assumir, como estilo de vida e como prioridade cotidiana, um atento cuidado – uma verdadeira “paixão” – pela comunhão eclesial;
  • representar o Romano Pontífice significa ter a capacidade de ser uma sólida “ponte”, um seguro canal de comunicação entre as Igrejas particulares e a Sé Apostólica.

A evidência desta “adesão interior” ficou evidente em recente discurso do Núncio da Argentina, Dom Adriano Bernardini. Ali podemos ver bem o que se entende por “Nova Evangelização”:

“(Após o Vaticano II) Afirmou-se um catolicismo ‘à la carte’, no qual cada um escolhe a porção que prefere e recusa o prato que considera indigesto. Na prática, um catolicismo dominado pela confusão dos papéis, com sacerdotes que não se aplicam com empenho à celebração da Missa e às confissões dos penitentes, preferindo fazer outra coisa. E com leigos e mulheres que buscam subtrair um pouco por vez o lugar do sacerdote para ganhar 15 minutos de celebridade paroquial, lendo a oração dos fiéis ou distribuindo a comunhão. (…) Assim, o clero está atravessando uma certa crise. No episcopado, prevalece um baixo perfil, embora os fiéis de Cristo estejam ainda com todo o seu entusiasmo. Obstinadamente continuam rezando e vão à Missa, freqüentando os sacramentos e rezando o terço. E, principalmente, esperam no Papa. Há um surpreendente ponto de solidez entre o Papa Bento e o Povo, entre o homem vestido de branco e as almas de milhões de cristãos. Eles entendem e amam o Papa. Isso porque sua fé é simples! Por outro lado, é a simplicidade a porta de ingresso à Verdade”.

“Nova Evangelização” nos parece ser a volta do cristão “pré-moderno”.

Apesar deste projeto, as análises apontam para uma crise iminente. O jornalista italiano do jornal Corriere de La Sera, Massimo Franco, publicou recentemente o livro “Era uma vez um Vaticano”. Ali, de forma objetiva, coloca o atual “status quo” do Vaticano: implosão.

Segundo Franco, os colapsos dos últimos 5 anos do pontificado do papa Bento XVI são os sintomas de uma crise mais profunda. O dia do acerto de contas com a Modernidade está próximo, segundo ele. Afirma que o Vaticano como capelão do Ocidente, tratado com deferência pelos governos, capaz de moldar a história pelo exercício de seu poder institucional está em decadência.

Para concluir, o que fica pelo menos no ar é a seguinte questão: será que os problemas no sistema eclesiástico, levantados pelos teólogos na Alemanha, poderiam servir de parâmetro para o início de um debate maduro sobre mudanças estruturais da Igreja também aqui no Brasil?