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Sínodo dos Jovens: Documento inicial tem tom inclusivo para jovens que não concordam com a Igreja

O documento do Vaticano delineia as posições iniciais de trabalho para reunião dos bispos no mês de outubro sobre as necessidades dos jovens. O texto leva em consideração as maneiras que os líderes da Igreja podem ajudar a nova geração lidar com os desafios do século XXI. Entre os desafios citados estão a questão da jornada de trabalho intermitente, a dependência digital e até mesmo as chamadas “fake news”.

O documento, que guiará os debates de abertura do Sínodo dos Bispos, também leva um tom notavelmente inclusivo para jovens católicos que manifestarem desacordo com os ensinamentos da Igreja e jovens gays. O Sínodo ocorrerá entre os dias 3 e 28 de outubro, em Roma.

Observando que alguns fiéis mais jovens não concordam com a posição da Igreja sobre a contracepção, aborto ou casamento com pessoas do mesmo sexo, por exemplo, o documento reconhece que muitos deles também “expressam o desejo de continuar a fazer parte da Igreja.”

O texto também faz o que parece ser inédito ao Vaticano: usar acrônimos preferenciais da comunidade gay, ao afirmar que “alguns jovens LGBT… desejam ‘se beneficiar com maior proximidade’ e se sentir amparados pela Igreja”.

Lançado pelo Vaticano no dia 19 de junho em italiano, o novo documento é o instrumento de trabalho preparatório para a reunião de outubro, durante o qual centenas de bispos viajarão à Roma para discutir sobre o tema “Jovens, fé e discernimento vocacional.”

O documento de trabalho foi elaborado pelo escritório do sínodo do Vaticano depois de um processo de 18 meses de contribuições que incluem o lançamento um questionário on-line, sugestões das conferências episcopais nacionais e encontros de jovens em Roma.

O texto de 32 mil palavras foi forjado, sobretudo, a partir das considerações das conferências episcopais e do segundo encontro de jovens, uma reunião de uma semana de duração com cerca de 300 jovens em março.

No final a reunião, a comissão da juventude lançou um documento reconhecendo que alguns de sua geração querem que a Igreja mude seus ensinamentos sobre os chamados “temas polêmicos” e solicitam da Igreja que melhor os inclua em todos os níveis de sua comunidade global.

O novo documento de trabalho, conhecido em latim como o Instrumentum Laboris, é dividido em três partes: no reconhecimento da realidade dos jovens de hoje, na interpretação do significado dessa realidade e sobre a escolha de caminhos para a Igreja.

O texto se concentra fortemente em considerar como os jovens e a Igreja devem ser submetidos a processos de discernimento. Muito da segunda seção é dedicado à discussão de como líderes da Igreja podem acompanhar melhor os jovens em diversas formas: espiritualmente, psicologicamente, na reconciliação, também em “ler os sinais dos tempos”.

A abertura do documento diz que cuidar dos jovens “não é um trabalho opcional para a Igreja, mas uma parte substancial de sua vocação e de sua missão na história.”

Ele atrela suas considerações na última mensagem lançada no Concílio Vaticano II (1962-65), que exortou os jovens, homens e mulheres do mundo daquela época a “construir com entusiasmo um mundo melhor do que os mais velhos puderam.”

Na primeira das muitas referências ao discernimento, o texto designa o processo de discernir o chamado de Deus enquanto “reconhecimento de uma forma de estar no mundo, um estilo, uma atitude fundamental e ao mesmo tempo uma maneira de trabalhar, um caminho para caminharmos juntos que consiste em olhar para a dinâmica social e cultural em que estamos imersos com olhos de um discípulo.”

“Para percorrer este caminho, temos de estar abertos à novidade, ter coragem para sair pelo mundo, para resistir à tentação de reduzir o novo ao já conhecido”, continua. “Um caminho assim construído nos convida… a nos perguntarmos e nos provocarmos perguntas sem sugerir respostas pré-construídas.”

O documento retorna à questão do discernimento na abertura de sua segunda parte, dedicando vários parágrafos ao papel que a consciência tem em ajudar as pessoas em suas tomadas de decisão.

“O papel da consciência não é limitado ao reconhecimento de cometer um erro ou pecado”, afirma. “A consciência das limitações pessoais ou as da situação e de todas as dificuldades em se orientar, nos ajuda a reconhecermos qual dom podemos oferecer, qual contribuição trazemos, mesmo que não seja exatamente o ideal.”
Desejo de uma Igreja mais ‘autêntica’

Referindo-se, em sua primeira seção, aos desafios que os jovens enfrentam, o documento de trabalho observa uma diversificada gama de questões.

Menciona “fortes desigualdades sociais e econômicas que… empurram alguns jovens para os braços dos traficantes, crime organizado e drogas”, os níveis de desemprego juvenil que chama de “dramático” e uma tendência migratória global que “representa um empobrecimento do capital humano … aos países de origem e uma ameaça ao desenvolvimento sustentável.”

O documento aborda as chamadas “fake news” em uma seção sobre a emergência de novas tecnologias digitais e redes de mídia social, estabelecendo que os jovens têm uma “crescente dificuldade de distinguir o que é verdade.”

O texto cita o ensinamento da Igreja sobre a sexualidade em uma seção sobre “o corpo, afetividade e sexualidade”. Afirma: “estudos sociológicos demonstram que muitos jovens católicos não seguem as indicações dos ensinamentos de moral sexuais da Igreja.”

“Nenhuma Conferência Episcopal dispõe de soluções ou receitas, mas muitas são da opinião de que ‘questões de sexualidade devem ser discutidas mais abertamente e sem preconceitos'”, continua.

“O documento pré-sinodal mostra que os ensinamentos da Igreja sobre questões controversas, tais como ‘contracepção, aborto, homossexualidade, coabitação e casamento’ são fontes de debate entre os jovens, dentro da Igreja bem como fora dela”, determina.

“Há jovens católicos que encontram nos ensinamentos da Igreja uma fonte de alegria e desejo ‘mesmo aqueles que continuam a ser ensinados apesar de sua impopularidade e que são abordados com grande profundidade”, continua. “Aqueles jovens que em vez disso não compartilham os ensinamentos, expressam o desejo de continuar a fazer parte da Igreja e de poder questionar os ensinamentos a fim de obter maior clareza sobre eles.”

O documento também diz que jovens desejam uma Igreja que seja mais “autêntica”.

“Um número substancial de jovens, provenientes principalmente de zonas muito secularizadas, não demandam nada da Igreja porque não a consideram um interlocutor significativo para sua existência”, afirma. “Alguns, pelo contrário, pedem expressamente para serem deixados sozinhos, uma vez que sentem sua presença como desconfortável e até mesmo irritante.”

“Esse pedido não nasce de um desprezo acrítico e impulsivo, mas também tem suas raízes em razões sérias e respeitáveis: os escândalos sexuais e econômicos, sobre os quais os jovens pedem que Igreja “reforce a sua política de tolerância zero contra o abuso sexual'”, continua o texto.

Ele também nota que alguns jovens querem ver mais papéis para mulheres na Igreja.

“Outra solicitação se refere à adoção de um estilo de diálogo interno e externo na Igreja”, afirma. “Jovens consideram que é necessário enfrentar certas dificuldades do nosso tempo, tais como o reconhecimento e a valorização do papel da mulher na Igreja e na sociedade.”

O documento se refere aos gays na sua seção final, como parte de uma consideração de como a Igreja pode ser uma “comunidade aberta e acolhedora para com todos.”

Começa a última seção observando que a reunião pre-sinodal de março contou com a participação de não-católicos, um movimento que “mostrou o rosto de uma Igreja hospitaleira e inclusiva, capaz de reconhecer a riqueza e a contribuição que pode vir de cada um para o bem de todos.”

“Sabendo que a fé autêntica não pode gerar uma atitude de presunção em relação aos outros, os discípulos do senhor são chamados a valorizar todas as sementes de bondade presente em cada pessoa e em cada situação,” afirma.

O documento fala de “Juventude LGBT” em um breve parágrafo, observando que o escritório do Sínodo do Vaticano recebeu “várias contribuições” de jovens gays durante seu processo consultivo. Seu uso do acrônimo parece significativo. No passado, a Igreja Católica se referiu às pessoas gay como “pessoas com tendências homossexuais.”

Embora Francisco tenha evitado essa tendência, usando a palavra gay em entrevistas e coletivas de imprensa, documentos mais recentes do Vaticano têm se referido a “homossexuais”.

Um curto prefácio do cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do escritório do Sínodo do Vaticano, precede o documento. Ele conclui com uma oração para o Sínodo, escrita por Francisco, que pede a Deus ajudar os jovens a responderem sua chamada “para tornar real o projeto da sua vida e alcançar a felicidade.”

Em uma coletiva de imprensa do Vaticano liberando o documento de trabalho em 19 de junho, Baldisseri disse que o objetivo principal do próximo Sínodo é “conscientizar toda a Igreja de sua importante missão de acompanhar cada pessoa jovem, nenhum excluído.”

O cardeal também disse que seu escritório decidiu fazer uso da sigla LGBT para se referir aos gays porque a reunião pré-sinodal dos jovens usava o termo e seu escritório foi “diligente” sobre respeitar o trabalho dos jovens.

O Vaticano ainda está para liberar os nomes dos bispos que participarão do Sínodo que terá um mês de duração. Tradicionalmente, é dado a cada Conferência Episcopal nacional um número definido de bispos para serem enviados, cujos nomes passam pela confirmação do Papa. O Papa também pode nomear membros de sua escolha.

Sínodos anteriores também contaram com a participação de alguns leigos, que servem como auditores capazes de tomar parte nas discussões, mas incapazes de votar no documento final do encontro.

Bispo Fabio Fabene, subsecretário do escritório Sínodo, disse em coletiva de imprensa que a reunião de outubro incluiria um número “considerável” de jovens. Fabene disse que o escritório está desenvolvendo um plano para os bispos se comunicarem diretamente com os jovens durante o Sínodo através de mídia social.

Enquanto a Conferência dos Bispos dos EUA não anuncia publicamente quem vai representa-la no Sínodo de 2018, é sabido que foram selecionados pelo menos quatro delegados: cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, presidente da Conferência; José Gomez, arcebispo de Los Angeles e vice-presidente da Conferência; Charles Chaput, arcebispo da Filadélfia e presidente da Comissão do Laicato, Casamento, Vida em Família e Juventude; e Robert Barron, bispo auxiliar de Los Angeles.

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 19-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.